Publicado em 10/10/2017 às 15:06, Atualizado em 10/10/2017 às 19:08

Injeção de insulina em bebê: casal ganhou indenização de R$ 70 mil por morte de outra filha com suposta doença

Mãe foi flagrada por câmera de hospital; pai trabalha em farmácia e teria fornecido medicação. Suspeita da polícia é de que eles tenham tentado forjar quadro para arrecadar dinheiro em redes sociais; eles negam.

G1,
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O casal que foi indiciado por tentativa de homicídio contra o próprio bebê – por meio de uma injeção de insulina, para forjar uma doença – ganhou neste ano na Justiça uma indenização de R$ 70 mil pela morte de outra filha. 

Os pais alegam que ela sofria de hiperinsulinismo congênito, doença que faz o pâncreas produzir o hormônio em grande quantidade, e morreu aos 2 anos em janeiro do ano passado sem assistência do governo do Distrito Federal. Após descobrir o crime contra o neném, a Polícia Civil investiga agora se a garota também não teve o quadro induzido pelos pais.

A decisão é de 26 de maio. Na sentença, o juiz Luciano dos Santos Mendes determina ainda que o casal receba 2/3 do salário-mínimo (atualmente em R$ 937) entre a época em que a garota teria 14 e 25 anos. Passado esse período, o Estado deveria pagar 1/3 do salário mínimo até o dia em que a menina completaria 65 anos ou até à morte dos pais – o que ocorresse primeiro.

Para a Polícia Civil, o casal queria forjar a doença no bebê para causar comoção popular e assim arrecadar dinheiro. Em 2016, a mãe lançou campanha em redes sociais pedindo ajuda financeira para comprar medicamentos para uma filha de 5 anos. Na época, ela contou ter perdido dois filhos (incluindo a garota que motivou o pedido de indenização) para o hiperinsulinismo congênito.

"A gente não pode afirmar que os outros dois filhos, de 1 e 2 anos,, morreram por causa de aplicação de insulina, mas tudo leva a crer”, disse a delegada Ana Cristina Melo Santiago à produtora da TV Globo Mara Puljiz. "Vamos levantar o prontuário médico para saber os detalhes de cada caso."

"É um caso bem delicado. E o motivo, ao que parece, é financeiro."

Descoberta do caso

A situação também foi denunciada pelo Ministério Público. O caso corre em segredo de Justiça. A suspeita ocorreu durante a internação do menino no Hospital Universitário de Brasília (HUB). A criança deu entrada na unidade de saúde em junho, após uma convulsão. Os médicos conseguiram reverter o quadro, mas decidiram investigar o caso após os pais relatarem ter tido mais três filhos (incluindo os dois que morreram) com a doença.

Para os profissionais, os resultados dos exames foram incoerentes (veja abaixo). Uma nova investigação foi realizada e apontou que o quadro era “proposital”. Para preservar o bebê, o Conselho Tutelar foi acionado. Além disso, o menino foi encaminhado à Unidade de Cuidados Intermediários Neonatais (Ucin), onde o acesso da família era limitado.

Já instalado na Ucin, o menino apresentou novo quadro de hiperinsulinismo. De acordo com a investigação, por volta das 18h do dia 19 de julho, a equipe de enfermagem foi acionada pela mãe da criança para avaliação da glicemia.

O hospital decidiu analisar as filmagens do circuito de segurança. Por volta de 17h50, a mulher estava com o menino no colo, “em movimento que sugere a administração exógena de substância que se acredita tratar de insulina de ação rápida, o que justifica a alteração do quadro de hipoglicemia exposto”, segundo a investigação.

“O efeito da insulina é diminuir as concentrações de glicose no sangue. A administração inadequada em quem não precisa pode levar a hipoglicemias graves, crises convulsivas, lesões irreversíveis do cérebro, comprometendo o desenvolvimento da criança, e até óbito, caso não vista e socorrida a tempo.”

O caso foi denunciado à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Uma seringa foi encontrada pela delegada dentro da roupa íntima da mãe. Em depoimento à polícia, a mulher confessou ter injetado o medicamento no bebê alegando que “ele estava com a glicemia muito alta”, mesmo sabendo que ele estava sendo medicado e que a conduta dela poderia colocar a vida do filho em risco.

Ela não quis dizer como conseguiu insulina. Para a investigação, o pai do menino – que trabalha há um ano como entregador de uma farmácia – forneceu o produto.

Por decisão da Justiça, os pais não puderam mais ter contato com o bebê nem com os outros três filhos. Os quatro foram encaminhados para um abrigo, onde estão há dois meses. Em depoimento à polícia, o médico disse que o quadro do bebê melhorou.

“Era uma criança irritadiça e chorosa que se transformou após o afastamento da genitora, ficando mais tranquilo e interagindo com os cuidadores”, disse.

“Do ponto de vista médico, ele não fez mais nenhuma crise convulsiva e nenhum episódio de hipoglicemia, mesmo sem uso de qualquer medicação para controle do açúcar no sangue durante os 10 dias que permaneceu afastado dos outros genitores naquele hospital”, informou o médico.

Também por decisão judicial, a outra filha do casal que tem o diagnóstico de hiperinsulinismo congênio foi internada por dez dias para que se verificasse se os quadros de hipoglicemia e de crises convulsivas descritos pela família eram verdadeiros ou se também eram provocados. Os remédios usados pela menina, que tem 5 anos, foram suspensos. Desde então, ela não teve sintomas da doença. As taxas de glicose e insulina foram normalizadas, afirma a investigação.

Segundo o médico, a garota tem pequeno atraso no desenvolvimento neurocognitivo, que pode ter sido provocado pelos episódios de hipoglicemia. Por causa da doença, ela recebia o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Os pais das crianças chegaram a ajuizar uma ação de indenização por danos materiais e morais contra o governo do Distrito Federal por causa da falta de medicamento para uma das crianças que morreu. O casal ganhou na primeira instância.