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Estudo brasileiro associa horário de Verão a aumento no número de infartos

A hora a mais atrapalharia o 'relógio biológico" das pessoas.

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Divulgação

Você é favorável ou contrário ao horário de Verão? Muita gente acha que adiantar uma hora no relógio não faz diferença. Mas, de acordo com diversos estudos, inclusive feitos no Brasil, 60 minutos podem, sim, trazer efeitos, especialmente em relação à saúde.

De aumento na incidência de infartos a mais internações por diabetes, esses trabalhos mostram que existe uma relação de causa e efeito envolvendo o horário de Verão. A literatura científica indica que, no dia imediatamente após o adiantamento do relógio, o número de ocorrências médicas tem um crescimento significativo.

Foi o que constatou o professor Weily Toro Machado, da Universidade do Estado de Mato Grosso, autor de um artigo publicado no jornal Economic Letters, assinado também por Robson Tigre e Breno Sampaio. Ao analisar informações do banco de dados do DataSUS, do Ministério da Saúde, os pesquisadores encontraram uma associação entre o horário de Verão e a elevação na incidência de morte por infarto. O trabalho baseia-se na tese de doutorado de Machado, defendida na Universidade Federal de Pernambuco, em que o pesquisador avalia outras relações de causa e efeito, incluindo um número maior de internações por diabetes mellitus.

Foram usados dados de 2008 a 2012, disponíveis no DataSUS, de todos os estados brasileiros, e que eram referentes aos óbitos por ataques cardíacos 15 dias antes e 15 dias depois do início do horário de Verão. Depois, Wiley Machado fez a comparação diária dessas informações.

Nos estados em que a prática é adotada (todos, menos os do nordeste e do norte), na segunda-feira imediatamente seguinte à mudança de horário, o aumento de mortes por infarto variou de 7% a 8,5%. Já nas localidades sem a hora adiantada, não houve alteração estatística. “Usamos a econometria, um método estatístico que nos permite mostrar uma relação de causa e efeito, sendo que a única coisa que aconteceu naquele período foi a mudança de horário. Isso me permite fazer essa inferência de casualidade”, explica o pesquisador. O centro-oeste foi a região mais afetada do país, e a maior parte dos casos ocorreu entre a população com mais de 60 anos.

Para Fausto Stauffer, diretor científico da Sociedade Brasileira de Cardiologia, teoricamente, essa associação pode ser explicada pelos efeitos das alterações no ciclo cicardiano, o popular “relógio biológico”. “A privação de sono libera mais hormônios adenérgicos, o que pode provocar espasmos na artéria do coração. Também há uma produção maior de citocinas pró-inflamatórias, e o aumento das placas nas artérias está associado à inflamação”, comenta o cardiologista.

Pesquisas sobre o ciclo cicardiano, aliás, deram a um trio de cientistas americanos o prêmio Nobel de Medicina/Fisiologia deste ano. Em uma série de estudos, Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young demonstraram como o gene responsável por reger o “relógio biológico” das células codifica uma proteína que, ao longo da noite, se acumula para, então, degradar-se ao longo do dia. Interrupções nesse ciclo estão associadas a diversas doenças. O estudo usou como cobaia a mosca-da-fruta.

“Sair de um estado de sono para o de vigília já é um evento estressante para o corpo”, comenta Martin Young, que é professor da Universidade do Alabama em Birmingham, nos Estados Unidos. “Quando temos uma mudança abrupta, como perder uma hora de sono no horário de Verão, nossos relógios internos não têm tempo suficiente para preparar nossos órgãos”, completa o cientista.

Um dos mecanismos afetados, de acordo com Young, é o tom simpático, quando, pela manhã, o corpo envia um grande número de sinais para o coração. Durante a noite, a quantidade de sinais é bem menor. “Porém, quando alguém é privado de sono, o tom simpático pode ficar elevado, mesmo durante o sono, o que é fortemente associado a doenças cardiovasculares. O período do sono é um momento em que o coração não deveria ser desafiado”, afirma o americano.

Influências externas

O cardiologista Fausto Stauffer lembra, porém, que os efeitos da quebra do ciclo cicardiano no sistema cardiovascular, especialmente no que diz respeito à privação crônica do sono, ainda não foram estudados em seres humanos. “Já as pesquisas estatísticas que mostram aumento da incidência de infarto são observacionais. Ou seja, elas não planejam privar alguém do sono e estudar o real efeito disso nessa pessoa. Além disso, o pesquisador não conhece todos os fatores de risco da população estudada. Só podemos fazer inferências precisas quando houver estudos controlados”, comenta o médico.

Ainda assim, em 2013, uma pesquisa da divisão de Cardiologia do hospital William Beaumont, de Michigan (EUA), com dados de 935 pessoas, referentes a 2006 a 2012, detectou aumento na incidência de infarto agudo de miocárdio no primeiro dia após a mudança para o horário de Verão. Um ano antes, um trabalho do Instituto Karolinska, da Suécia, encontrou aumento de 5% nessas ocorrências na primeira semana de mudança de horário, crescimento esse classificado como modesto pelos pesquisadores. Já um artigo da Universidade do Colorado em Boulder, também nos EUA, publicado em 2014, constatou alteração no horário das ocorrências de infarto, mas não detectou qualquer influência sobre a incidência desses eventos.

Weily Toro Machado acredita que, aliada às estatísticas, a literatura científica garante a credibilidade dos estudos observacionais. Até dezembro, será publicado um novo trabalho, conduzido por ele, mostrando que as internações por diabetes mellitus também elevam em 8,5% logo depois da implementação do horário de Verão. O pesquisador também prepara um trabalho para avaliar os custos da saúde pública com o aumento das hospitalizações associadas à alteração nos relógios. “Se temos um aumento de internação, há aumento no gasto público. Então, se por um lado o horário de verão gera economia de energia, o que é muito questionado, por outro, também há um aumento dos gastos de saúde pública”, afirma o professor da Universidade do Estado de Mato Grosso.

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