Buscar

Sinal FM vai dar ‘ar profissional’ às rádios, mas ‘tradição’ pode se perder

As rádios que fazem a transição são as mais antigas de Mato Grosso do Sul, e também, do país.

Cb image default
Divulgação

São 4h em qualquer estrada rural de Mato Grosso do Sul, anos atrás. O ônibus rasga a estrada, enquanto leva trabalhadores para as fazendas. Em meio à poeira que se levanta ainda no escuro, canções do homem sertanejo, do homem caipira, embalam a viagem. Logo a voz do locutor, conhecida entre eles, soa no rádio. É assim o perfil da maioria das cerca de 21 rádios de Mato Grosso do Sul que irão migrar da frequência AM para FM. A transição é uma conquista esperada há muito tempo pelos proprietários, mas o desafio, com a melhora do sinal, é manter a tradição popular.

O Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Gilberto Kassab assinou na segunda-feira (24) os termos aditivos de adaptação de outorga. A transição não sai de graça para quem explora a concessão, e os proprietários desembolsam quantias que podem atingir R$ 300 mil. O perfil de quem explora essas concessões tem características comuns. Buscas pelo CNPJ de cada uma das rádios mostra negócios que têm como sócios membros da mesma família, políticos, pessoas ligadas à igrejas e proprietários que têm diversas rádios ou meios de comunicação.

As rádios que fazem a transição são as mais antigas de Mato Grosso do Sul, e também, do país. Em comum, também carregam o ‘perfil popular’, do ouvinte do campo e das músicas sertanejas. Agora, dividem-se entre a mudança de programação com a chegada da frequência FM e a tentativa de preservar as características tradicionais. Cada proprietário enxerga a questão de forma diferente. Enquanto uns querem mudar completamente o perfil da rádio, outros apostam nas mudanças sem perder a tradição.

Fim do perfil popular?

Vice-presidente do Sintercom-MS (Sindicato dos Radialistas e Publicitários Profissionais de Mato Grosso do Sul), Edson ‘Shower’ como é conhecido, é locutor e radialista. Ele teme que a cultura das rádios populares tenha ficado para trás. “São rádios tradicionais, as primeiras que existiram. São rádios populares, que falam diretamente com o povo, porque fala a linguagem do povo. Não sei se todas vão manter o perfil. Eu espero que sim, porque essa, para mim, é a verdadeira comunicação".

Ainda assim, ele aponta que a volta da tradição tem sido uma aposta das próprias FMs. "As FMs se perderam muito na rapidez de locução e você não sabe nem quem está do outro lado, não sabe que locutor que é, porque mal fala o nome. E isso está voltando agora. As FMs estão voltando atrás nesse ponto, justamente porque viram que agora que você tem música no pen drive, você não quer mais ouvir música. Você quer ouvir informação, quer ouvir bate-papo, então elas estão retomando”, comenta.

Uma das rádios mais antigas de Mato Grosso do Sul é a difusora de Aquidauana, fundada em 16 de março de 1952. A rádio ficou conhecida como ‘a voz do Pantanal’ porque unia de ponta a ponta a região, levando comunicação e conexão aos locais isolados. Além disso, foi na rádio que muitos artistas reconhecidos foram revelados. É o que conta o diretor de programação, Plínio de Góis.

“A emissora marcou, tem um fato histórico aqui que chama muito atenção, que a rádio tinha um programa. Não tinha os telefones celulares né, então como a rádio é a primeira, e pelas ondas tropicais ela pegava todo o pantanal e todo o Brasil, ela tinha um programa que chamava ‘Mensagem Social’, um programa de aviso. Por exemplo, aqui de Aquidauana alguém passava um aviso: ‘atenção fazenda tal, lá no pantanal, atenção seu Zé, a dona Ana manda avisar que nasceu o robusto nenê e todos passam bem’. Então ela fez essa ligação por muitos anos entre a cidade e o meio rural. Era uma coisa assim fiel: as pessoas paravam pra ouvir”, conta.

“A difusora revelou grandes talentos da comunicação sul-mato-grossense. Délia e Delinha passou por aqui. Aurélio Miranda passou por aqui. Então ela se tornou, no começo, uma espécie de escola”, relembra ele.

Agora, no entanto, quer atingir e agradar outros públicos e oferecer ao público “eclético”, conforme explicou Plínio, qualidade de sinal. “O perfil do nosso ouvinte é interessante porque se divide entre aquele povo de mais de 50, mas ao mesmo tempo é bem eclético. A tarde já temos um programa que é bem no ritmo de FM. Porque que modificou muito? Por conta dessa questão da internet. Hoje, nós tivemos, mesmo que AM, nós tivemos que dar uma modernizada para poder acompanhar. Da época antiga mesmo só temos um apresentador que é o da madrugada que fazia um programa bem clássico de sertanejo”, relata.

Público jovem não é fiel

Os mesmos desafios e a vontade de agradar ‘a todos’ são contados pelo diretor da Rádio jornal Amambai, Gilberto Pereira. A rádio foi fundada em 1983 e é, segundo ele, a mais ouvida da região Conesul. Amambai, a 352 km da Capital, também é uma das cidades que mais ouvem rádio, segundo o diretor. Agora, Gilberto quer consolidar a rádio para um público da ‘classe B’.

“Até pouco tempo nós tínhamos um convênio e transmitíamos a programação da rádio globo, aí venceu o contrato e nós não renovamos. É um perfil bem popular, quase que sertanejo. O principal público é um público mais adulto. Eu tenho uma outra rádio lá, uma outra FM em Amambai. Porque o sertanejo é um público de mais idade. Agora nós vamos mudar ela todinha, vamos fazer mais pra uma classe B, digamos assim. Tem que mudar o perfil, porque nós vamos fazer uma rádio igual eu faço a outra, porque a maioria das pessoas fazem uma AM dentro de uma FM e nós vamos fazer uma FM dentro de uma FM”.

A melhora do sinal, no entanto, foca no público fiel e adulto, explica ele. Os jovens, opina Gilberto, não formam um público ‘fiel’. “O público jovem não gasta, não é um público fiel, por isso que não faço investimento em rádio em relação a ele. Ele está te ouvindo aqui, tocou uma música em outra rádio ele muda”, comenta. Gilberto explicou que todo o gasto, entre a outorga e os equipamentos, ultrapassam os R$ 600 mil.

Além de Mato Grosso do Sul, o Ministério formalizou a transição de outorga de rádios no Mato Grosso. Confira a lista completa:

RADIOJORNAL DE AMAMBAI LTDA.

EMPRESA RADIO INDEPENDENTE LTDA

RADIO DIFUSORA DE AQUIDAUANA LTDA

SISTEMA DE RADIODIFUSAO RIBAS DO RIO PARDO LTDA

REDE SUL MATOGROSSENSE DE EMISSORAS LTDA

RADIO PRINCESA DO VALE DE CAMAPUA S/C LTDA

RADIO CULTURA DE CAMPO GRANDE LTDA

EMPRESA DE RADIODIFUSAO CAMPOGRANDENSE LTDA

SOCIEDADE RADIO AM FRONTEIRA LTDA

RADIO DIFUSORA MATOGROSSENSE LIMITADA

RADIO VALE DO TAQUARI LTDA - ME

REDE ELDORADO DE RADIO LTDA

REDE REGIONAL DE RADIODIFUSAO LTDA

RADIO DIFUSORA DE IVINHEMA LTDA

REDE INDEPENDENTE DE RADIO LTDA

RADIO CIDADE DE MARACAJU LTDA.

EMPRESA DE RADIODIFUSAO PANTANEIRA LTDA

RADIO CULTURA DE NAVIRAI LTDA

RADIO DIFUSORA CACIQUE LTDA

RADIO DIFUSORA PARANAIBENSE LTDA

SISTEMA SUL MATOGROSSENSE DE RADIODIFUSAO LTDA

RADIO CAMPO ALEGRE LTDA

SOCIEDADE RADIO PINDORAMA LTDA

RADIO PROGRESSO DE ALTA FLORESTA LTDA

SISTEMA INTEGRADO DE COMUNICACAO LTDA

SOCIEDADE BARRABUGRENSE DE COMUNICACAO LTDA

CONTINENTAL COMUNICACOES LTDA

RADIO ALTERNATIVA DE DIFUSAO LTDA

SOCIEDADE RADIO EDUCADORA DE GUARANTA DO NORTE LTDA

SOCIEDADE RADIO EDUCADORA DE JUINA LTDA

SOCIEDADE RADIO EDUCADORA DE CUIABA LTDA

RADIO DIFUSORA DE MIRASSOL D'OESTE LTDA

RADIO NOVA XAVANTINA LTDA

DMD ASSOCIADOS - ASSESSORIA E PROPAGANDA LTDA

RADIO ITAI DE RIO CLARO LTDA

RADIO PIONEIRA DE TANGARA DA SERRA LTDA

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.