Publicado em 29/03/2021 às 09:49, Atualizado em 29/03/2021 às 13:53

Brasil almeja alcançar a autossuficiência na produção de vacinas contra a covid-19

Mesmo com projetos em andamento, será preciso conseguir uma evolução tecnológica suficiente para adaptar-se às variantes

Redacao com, CONJUR
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Presidente Jair Bolsonaro (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

O Brasil almeja alcançar a autossuficiência na produção de vacinas contra a covid-19 até o início de 2022. A meta é possível, mas depende de não haver atrasos na transferência de tecnologia para o Instituto Butantan, em São Paulo, e para a Fiocruz, no Rio. Paralelamente, duas vacinas de produção inteiramente nacional estão em fase pré-teste. Para especialistas, demandas estruturais e manter o desenvolvimento tecnológico necessário à adaptação das vacinas a novas variantes do vírus são desafios.

Na terça-feira, em cadeia nacional de rádio e TV, o presidente Jair Bolsonaro prometeu que até o fim de 2021 o País será autossuficiente na produção da Coronavac e do imunizante de Oxford. Ambas já são feitas no Brasil. Mas sua base é Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) importado.

Ter a capacidade prometida por Bolsonaro significa que o Brasil já terá concluído os processos de transferência de tecnologia. Será ainda capaz de produzir todos os ingredientes em território nacional. Também terá capacidade de fabricar imunizantes suficientes para toda a população brasileira.

A Fiocruz ainda discute com a Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca a assinatura do contrato de transferência de tecnologia, inicialmente prevista para o ano passado. Garante, porém, que a informação já é compartilhada. A instituição conclui as obras de novas instalações industriais para produzir os IFAs. O Butantan já assinou o contrato com a chinesa Sinovac. Mas também depende da conclusão de um laboratório de nível de segurança 3. É necessário à produção de IFA.

"É um processo muito complexo, mas estamos mantendo o cronograma", garantiu o diretor da fábrica de Biomanguinhos, da Fiocruz, Mauricio Zuma. "Estamos num trabalho muito intenso, vamos concluir as adequações (da planta) até abril e vamos concluir também a transferência de tecnologia; no segundo semestre estaremos distribuindo a vacina."

O gerente de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios do Instituto Butantan, Tiago Rocca, também está otimista. "A expectativa é de concluirmos a obra até o fim de setembro para, a partir daí, começarmos a qualificar os equipamentos e operacionalizar a fábrica para já estarmos produzindo em 2022", disse. "O tempo que estamos seguindo agora é o da obra; até o momento não tivemos nenhum atraso."

Outros especialistas ouvidos pelo Estadão não se mostraram tão otimistas. "Obra é complicada", declarou o médico sanitarista Gonzalo Vecina, um dos fundadores da Anvisa. "O cronograma é bem apertado, mas se ele estiver sendo rigorosamente cumprido deve funcionar. A transferência de tecnologia vai ocorrer, não tenho nenhum receio disso", afirmou ele, colunista do Estadão.

O virologista Flávio Guimarães, pesquisador do Centro Tecnológico de Vacinas da UFMG, acha o cronograma pouco realista. "Não se trata de julgar a capacidade técnica dos profissionais do Butantan e da Fiocruz, são extremamente capacitados e competentes", afirmou.

"O problema é que não basta ter capacidade técnica, é preciso um grande investimento estrutural. O Butantan tem de construir um laboratório de nível de segurança 3 (algo que não existe no Brasil)", afirma. "E Biomanguinhos tem de adaptar um parque industrial para produzir uma vacina jamais feita no Brasil. Vamos ter essa estrutura? Isso me parece irreal diante do que temos hoje."

A epidemiologista Carla Domingues, que já coordenou o Programa Nacional de Imunizações (PNI), também faz ressalvas. "Infelizmente, acho que são muito otimistas", disse. "As experiências que temos com transferência de tecnologia são de muito mais tempo. Porque não é só deter o conhecimento. É preciso ter as fábricas prontas, todo o processo de produção do IFA funcionando, o envase, a rotulagem. Mas estou torcendo por eles." Com agências nacionais.