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Brasil desvaloriza parto normal e sagra-se campeão mundial de cesáreas

A situação vivida por muitas grávidas no Brasil hoje, especialmente entre as classes mais altas, é um processo que muitos especialistas vêm chamando de a indústria da cesárea brasileira.

Com 52% dos partos feitos por cesarianas - enquanto o índice recomendado pela OMS é de 15% -o Brasil é o país recordista desse tipo de parto no mundo.

Na rede privada, o índice sobe para 83%, chegando a mais de 90% em algumas maternidades. A intervenção deixou de ser um recurso para salvar vidas e passou, na prática, a ser regra.

Um caso extremo chamou a atenção há três semanas, quando a gaúcha Adelir Lemos de Goes, uma mãe de 29 anos de Torres (RS), foi obrigada por liminar da Justiça a ter seu bebê por cesárea. 

Ela foi levada à força ao hospital quando já estava em trabalho de parto, provocando debates acalorados sobre até onde a mãe o poder de decisão sobre o próprio parto.

O caso também levou centenas de pessoas a saírem às ruas, em cidades do Brasil e do exterior, para protestar na última sexta-feira. A manifestação foi batizada de Somos Todas Adelir - Meu Corpo, Minhas Regras.

Mas por que e desde quando o Brasil começou a mergulhar nesta verdadeira epidemia de cesáreas? Falhas profundas na regulamentação do sistema de saúde do país e uma lógica perversa na gestão de profissionais e obstetras que, por questões financeiras, acabaram perdendo o hábito de fazer partos normais são algumas das causas, agravadas principalmente pela falta de informação que cerca o assunto.

Vendendo cesáreas

Segundo especialistas, a indústria da cesárea começou a se formar há 40 anos. A epidemia de cesarianas começa na década de 70, quando ela começou a ser vendida como solução (de cirurgia única) para a esterilização definitiva, a laqueadura das trompas, explica a obstetriz Ana Cristina Duarte, uma das principais vozes do movimento de humanização do parto no país.

O ginecologista Etelvino Trindade, presidente da Febrasgo, acrescenta outro fator ocorrido naquela época, decorrente da criação de instâncias do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), que passaram a determinar que um médico só recebia se participasse efetivamente do parto.

Até então, o bebê nascia com a obstetriz e o obstetra supervisionava, entrava se houvesse alguma intercorrência, como acontece em países europeus até hoje, diz Trindade. Mas as regras mudaram e ele passou a precisar estar sempre na sala de parto (para receber). E, assim, o quadro começou a mudar.

Já na década de 80, segundo Ana Cristina, acontece a dicotomização das taxas de cesárea diferenciadas no setor público e privado. É nessa década que as taxas do setor público aumentam um pouco, porém a do setor privado salta para níveis alarmantes. Nas décadas seguintes, cada vez mais brasileiros têm aderido ao setor privado, fazendo as taxas globais brasileiras saltarem para os níveis atuais.

Braulio Zorzella, ginecologista defensor do parto normal e pesquisador da área, diz que a grande vilã, o carro-chefe dos culpados, é a ANS - a Agência Nacional de Saúde é a reguladora dos planos de saúde do Brasil.

Segundo ele, quando a agência hierarquizou os procedimentos, acabou chancelando uma tabela já em vigor que remunerava de maneira discutível o parto - regras mantidas até hoje. Todos os valores foram sendo achatados e, em um determinado momento, não valia mais a pena para um médico fazer parto normal, financeiramente falando.

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