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Facebook é palco para traficantes venderem viagens e documentos aos refugiados

28.ago.2015 - Hussein Al-Shamali, 20, de Idlib, na Síria, mostra sua carteirinha de estudante após cruzar da Sérvia para a Hungria (Foto: Uol)

Eles podem pedir asilo na Europa, mas o desafio consiste em chegar lá. As redes sociais, sobretudo o Facebook, se transformaram para os refugiados na alternativa aos consulados, que os impedem de solicitar asilo no estrangeiro e os obrigam a recorrer aos traficantes. Ligam o computador ou o celular e está tudo lá: preços, rotas, passaportes falsos... O Facebook é uma enorme vitrine na qual os contrabandistas competem sem pudor para rentabilizar a miséria alheia.

Graças à rede social, os contrabandistas são capazes de alcançar clientes nos recantos mais remotos e devastados do planeta, sem custo. As redes sociais são uma bênção para os traficantes, mas também uma faca de dois gumes. O intenso fluxo de refugiados que compartilham na rede informação vital sobre o trajeto lhes proporciona cada vez maior autonomia para deslocar-se sem ter de recorrer aos traficantes.

No bazar digital dos desesperados, é possível comprar tudo o que é necessário para começar uma nova vida longe das bombas. A oferta é muito variada. O cliente pode escolher viajar por terra, mar ou ar, segundo seu orçamento. Quanto mais barato, mais perigoso e maior a probabilidade de morrer afogado.

Ao todo, 2.748 pessoas morreram ou desapareceram este ano tentando cruzar o Mediterrâneo. A oferta varia desde um bote de borracha cheio de refugiados até um assento de avião direto para Estocolmo ou Paris, com um passaporte falso. As crianças viajam pela metade do preço. Tudo aparece em detalhe na tela, até os números de telefone dos contrabandistas, em árabe, e ao alcance de um clique.

Em uma página que se chama Refúgio e a emigração para a Europa, os traficantes especificam que na rota da Turquia para Rodes, na Grécia, as crianças maiores de quatro anos pagam meia tarifa e os menores de quatro viajam grátis.

Em outro perfil, chamado Entrar ilegalmente na Europa, oferecem acesso aos países da UE de forma ilegal e de todas as maneiras. Concretamente, vendem viagens diárias de Istambul à Europa. Só para clientes sérios, advertem. Há também ofertas terrestres. Uma delas, de carro da Turquia até Salônica e mais duas horas a pé, por 2.500 euros.

Outra página oferece várias opções. A primeira: viajar da Turquia à Grécia por terra, cruzando o rio Evros, de Adana até Orestiada, por 400 euros. Segunda: ir até a Bulgária por 1.500 euros.

Um cliente interessado pede o telefone ao traficante. Um iraquiano pergunta qual é o país europeu que aceita iraquianos. Um terceiro pergunta o que acontece caso se registre na Grécia e depois viaje a um terceiro país. Outro quer chegar à Noruega ou à Finlândia da forma mais barata. E há outro ainda que adverte que essa oferta é uma fraude.

Títulos universitários falsos

Mas não são só viagens que estão à venda. No Facebook se oferece todo tipo de documentos necessários para começar uma nova vida.

Uma página oferece um passaporte com carro que pode percorrer 400 km europeus, por 400 euros. Outro, um visto para a Suécia para uma família inteira com selo da embaixada, por 30 mil euros, e contrato de trabalho incluído. Esse anunciante também exige seriedade dos clientes. Outra página vende títulos universitários, de colégio, carteira de motorista síria e até títulos de mestrado. Pode-se escolher um de administração de empresas com uma qualificação de 79,95%.

O pagamento, especifica-se, deve ser feito em uma agência de seguros em Bagdá ou em Istambul. Ali se assina uma nota promissória que o traficante cobrará no momento combinado, que pode ser no início da viagem ou quando subirem no barco, ou mesmo ao chegar ao destino. Frequentemente, são os parentes na diáspora que assinam o contrato.

Mesmo assim, em geral são transações sem nenhum tipo de garantia, nas quais o cliente arrisca seu dinheiro, mas também sua vida. Ele se põe nas mãos de perfeitos desconhecidos, aos quais entrega sua fortuna e a de seus parentes.

Dezenas de sírios entrevistados na Suécia e na Espanha confirmam ter chegado pagando a contrabandistas e ter investido tudo o que tinham por não dispor de outra forma de fugir. É muito pouco frequente encontrar casos de refugiados que tenham chegado por sua conta.

A impunidade e a visibilidade com que os traficantes operam surpreende.

Há páginas que inclusive dão o número de telefone do contrabandista e a hora e lugar exatos da partida da viagem. Tem alguma coisa?, perguntava Husein em 5 de setembro em uma delas. Sim, amanhã, viagem segura de Istambul.

Na Europol, explicam que em julho deste ano criaram a Unidade de Referência da Internet (IRU, na sigla em inglês) para combater o terrorismo online, mas que nas últimas semanas essa unidade dedica parte de seus esforços a fazer um acompanhamento das páginas em redes sociais usadas por redes de facilitadores da imigração ilegal. Evitam, entretanto, revelar que operações estão em andamento ou que tipo de páginas vigiam.

Telefones que salvam vidas

Na Europa, nos centros e apartamentos de acolhida, pode-se ver os refugiados de telefone na mão, seguindo as notícias de seu país e também o destino dos familiares que ainda estão na estrada. Pode ser que não tenha o que comer, mas é raro um refugiado que viaja sem um celular. Estes se transformaram na peça de bagagem mais valiosa, em autênticos salva-vidas.

Há grupos do Facebook nos quais dezenas de milhares de sírios compartilham histórias de naufrágios e fotos dos que chegaram sorridentes ou mesmo uma de Angela Merkel com a legenda: A mulher mais importante do mundo, a mãe dos devotos.

Mas sobretudo trocam informações sobre o estado do mar ou a altura das ondas. Informam sobre os cortes de trens na rota, os bloqueios policiais ou o melhor lado da estrada para captar um pouco de wi-fi. Utilizam também a versão do Facebook que é só texto e não necessita de um smartphone, explica Leonard Doyle, porta-voz da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Com o Google Earth, também do telefone localizam as estradas, trocam coordenadas e são capazes de fabricar rotas sob medida, sem a necessidade de recorrer aos traficantes em boa parte do trajeto.

Por isso, a tecnologia representa ao mesmo tempo uma grande oportunidade e uma ameaça para o negócio dos traficantes, especialmente nos trajetos terrestres, já que no mar são obrigados a recorrer a eles para subir no barco. Mesmo assim, a confusão e a incerteza fazem que a imensa maioria dos refugiados opte por se colocar nas mãos dos chamados facilitadores, para aumentar as possibilidades de êxito em uma fuga que definirá o resto de sua vida.

Nos telefones, os refugiados, que viajam com a roupa do corpo, também guardam as imagens de sua vida anterior, que mostram com orgulho e saudade. Um escultor sírio, por exemplo, mostra suas criações em Beirute, um pai mostra seu povoado e a família que ficaram para trás. Através do Whatsapp eles vão informando sobre as diversas etapas do caminho. Acabamos de chegar a Dortmund. Estamos bem, escreveu um casal de Kobane, no norte da Síria. 

Assim que pôs os pés na Alemanha, o jovem mudou a foto de seu perfil. Agora posa com uma camisa roxa bem passada e uma floresta ao fundo. O verdor do norte da Europa não deixa dúvida de que eles conseguiram.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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