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Maioria das vítimas de estupro não usava roupas provocantes

Quase a metade das vítimas de violência sexual atendidas em 2013 pelo Programa Bem-me-quer, do hospital Pérola Byington, em São Paulo, tinha até 11 anos de idade. O resultado do levantamento está alinhado com estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), divulgado no fim do mês passado, que mostrou a prevalência de crianças como alvo de estupros registrados no País. Ao mesmo tempo, contrasta com a percepção de um em cada quatro brasileiros. Em outra pesquisa realizada pelo mesmo instituto, 26% dos ouvidos na sondagem concordaram total ou parcialmente com a ideia de que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.

Em entrevista ao R7, o coordenador do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, Jéferson Drezett, classificou de “estúpido” o argumento de que a vítima deve ser responsabilizada pela violência em função do que veste. Para ele, é “um erro de percepção que envolve machismo e uma educação sexista”. O médico acrescentou que, no caso específico das mulheres adultas e adolescentes acolhidas pelo programa, em aproximadamente 70% das ocorrências, os ataques acontecem durante situações cotidianas.

— Em cerca de 70% dos casos, elas estavam fazendo atividades absolutamente rotineiras, como ir e vir da escola, o percurso de ir e vir do trabalho [...] A gente não consegue atribuir a situações de violência sexual àquele estereótipo que às vezes fica na cabeça das pessoas de que são “meninas com roupas curtíssimas que estavam no baile funk” [...] Apesar de as mulheres terem todo o direito de usar roupas bonitas e atraentes, não tenho aqui no ambulatório e não vejo neste hospital, há 20 anos, mulheres vestidas de maneira provocante.

Drezett disse ainda que há uma parcela das vítimas atendidas que sofre a violência no âmbito doméstico.

— Boa parte também das mulheres que atendemos está sofrendo violência sexual dentro de casa. Então, são ou crianças ou adolescentes que estão sofrendo situação de incesto, ou situações até de mulheres que estão subjugadas de certa forma por um homem violento que pratica atos de violência de uma maneira geral — física e psicológica — e, com uma frequência muito grande também pratica atos de estupro.

A promotora de Justiça Maria Gabriela Prado Manssur, que é coordenadora do Núcleo de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher - Grande São Paulo II, afirmou que a cada dez casos de violência sexual que atende, apenas um aconteceu na rua.

— Os outros nove ocorreram dentro de casa. Ou os homens estupram suas mulheres, que se recusam a ter relações sexuais com eles, ou são abusos sexuais com menores, pessoas que estão sob autoridade e não conseguem reivindicar seus direitos.

Inimigo íntimo

Segundo o coordenador do Serviço de Violência Sexual do Hospital Pérola Byington, o agressor não tem um perfil determinado. Mas ele explicou que, no caso de crimes sexuais praticados contra crianças, os autores, na maioria das vezes, são pessoas conhecidas da vítima.

— De 90 a 95% dos casos, são autores identificáveis. Dentro desses conhecidos, a experiência nossa no hospital é de que, em 85% dos casos, se tratam de pessoas de dentro da família. Estamos falando de pai, padrasto, tio, avô. Pessoas que são do núcleo familiar ou que estão em torno do núcleo familiar. Têm acesso privilegiado à rotina da criança.

Ainda conforme o médico, nessa situação, raramente a vítima sofre abuso uma única vez.

— O processo de abuso normalmente é lento, crônico e quase sempre repetido. É muito incomum abuso sexual de criança acontecer uma vez só. Normalmente é reiterado. Às vezes, por muitos anos.

O especialista afirmou que, apesar de também não haver um perfil específico da vítima de violência sexual, é possível dizer que a maior parte é jovem e do sexo feminino.

— Temos atendido mulheres de todas as origens, de todas as escolaridades, etnias, culturas, religiões.

No que diz respeito a crianças, as meninas predominam como as mais vulneráveis a sofrer esse tipo de agressão.

— Do total de crianças que atendemos no hospital, ¾ mais ou menos são meninas. 25% são do sexo masculino.

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