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Aos 61 anos, bar passado na marra de pai para filho pode não chegar à 4ª geração

Em Campo Grande se tem um bar que dispensa apresentações é o Bar do Zé. No calçadão da Barão, há exatos 61 anos – completados no último dia 13, o comércio já foi celeiro de negócios imobiliários, desde venda de imóveis, gado e fazendas, até bingos do Operário e apostas em cavalos do Jóquei Clube. Já serviu de sede para um dedo de prosa, um copo de café e uma chipa da hora. Mas nem tamanha fama impediu que comércio fosse passado na marra adiante, para novas gerações da família.

Bar político e politizado. Frequentado por prefeitos, governadores desde que Mato Grosso se resumia a um só. O Bar do Zé já recebeu até presidente. Fernando Collor, um deles, inclusive recebeu uma homenagem à frente do estabelecimento. As cadeiras de plástico vermelhas, assim como os engraxates de ontem e os de hoje, já viram sair dali manifestações, seja pelas ruas, ou entre quatro paredes. Muito do que se vivia na cidade era passado ali.

O Bar do Zé não se chamava assim. Era do pai, aberto no dia 13 de março de 1953 como bar São Jorge. À época, Zé, de nome José Yassuke Okama tinha 13 anos. Aos 17, o pai morreu de repente e ele se viu na responsabilidade de tocar o estabelecimento, formar os irmãos, ainda que isso lhe custasse abrir mão do próprio sonho de estudar.

“Entrei no bar no mesmo dia em que meu pai comprou. Fui junto, a gente morava lá também”, conta o seo José. Hoje, um pouco debilitado pelos sérios problemas de saúde. Foi o terceiro filho na escada de nove irmãos e o primeiro menino. A mãe ficou viúva aos 33 anos, com 10 crianças, a mais nova tinha apenas 11 meses de vida. Coube a ela, primeiro, abrir as portas de madrugada, buscar o leite direto no fornecedor, andar pela 14 de Julho quando ainda nada estava funcionando.

Mas a mãe precisava de um homem ao lado e para a escolha, não tinha muitas alternativas. “Eram todos mais novos. Todos formaram. Eu fiz contador. A gente pobre, dá vontade de estudar que é uma coisa de louco. Mas quem vai cuidar do bar?”, lembra Zé sobre os desafios ainda na adolescência.

Os mesmos olhos que com orgulho mostram a satisfação em ter formado irmãos em Medicina, Engenharia e Odontologia, não viram o próprio diploma. Ele queria ter estudado fora, chegou a ir até Londrina, o sonho era ser médico ou quem sabe engenheiro. Viu esse desejo se concretizar nos pequenos.

Em meados da década de 60, o bar ganhou a movimentação que lhe rende a fama até hoje. Frequentado por intelectuais e jornalistas, foram eles que resolveram batizar o bar de Zé. Depois que o povo deu, não tinha São Jorge que mudasse.

“Todo mundo conversava e e falava, me espera no Bar do Zé. E então ficou, como opção do povo”.

Os anos passaram, muitos leites com café foram tomados ali, com pães com manteiga e salgados em geral. Em 1997, José teve um sério problema desaúde que o levou a um tratamento de cinco meses em São Paulo.

Foi daí que o destino, mais uma vez, tirou alguém da família Okama da sua profissão, ou do sonho de vive-la, para tomar a dianteira do negócio. Márcio Yassutoko Okama, agora com 47 anos, era administrador de empresas por formação e trabalhava na área. Teve de largar o emprego para tocar o bar. Novamente a interrogação da frase “quem vai cuidar do bar?” ressoou à cabeça, dessa vez, do neto.

“Quem tinha o costume de vir para a cidade resolver coisas, sempre dava uma passada aqui, hoje, tem tudo nos bairros. Na minha opinião, eu vou ser o último aqui. Só tenho duas filhas. Vai terminar em mim”, resume Márcio.

O prédio é da família e se depender de uma boa proposta, o bar pode fechar as portas. Márcio explica que é porque o comércio não está fácil, tem muita concorrência.

Pelo pai, tudo bem. O Zé que deu nome ao bar não vai ao estabelecimento há mais de ano, justamente pela dificuldade em se locomover e pela saúde já fragilizada.

O carro-chefe em 61 anos, continua sendo o café. De Kintoko Okama, José Okama a Márcio Okama, o bar não deve chegar a uma quarta geração.

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