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Cerco ao churrasco? Estudo propõe cortar na carne contra mudanças climáticas

Você sabia que cortando o seu churrasquinho de fim de semana pode estar ajudando a combater a seca que desatou a crise da falta dágua em São Paulo ou o derretimento das geleiras no Ártico?

Pelo menos é o que sugere um estudo britânico que defende que comer muita carne não só faz mal à saúde, como também faz mal ao planeta – e propõe uma série de medidas para reduzir o consumo do produto no mundo.

No estudo Changing climate, changing diets (Mudando o clima, mudando a dieta), publicado semanas após um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendar um limite no consumo de carne vermelha e relacionar a ingestão de carnes processadas a um aumento do risco de câncer colorretal, pesquisadores do centro de estudos Chatham House (também conhecido como Instituto Real de Assuntos Internacionais) dizem que a adoção de uma dieta sustentável – com níveis moderados de consumo de carne vermelha - poderia contribuir com um quarto da meta global de cortes na emissão de gases causadores do efeito estufa até 2050.

A pesquisa, divulgada nesta terça-feira, diz que o consumo global de carne tende a aumentar 76% até meados do século e que em países industrializados já se come, em média, duas vezes mais carne do que os especialistas recomendam.

O resto da população global não pode convergir para os níveis de consumo de carne dos países desenvolvidos sem que haja um custo social e ambiental imenso diz. São padrões incompatíveis com o objetivo de evitar o aquecimento global.

É claro que não estamos defendendo que todos devem se tornar vegetarianos, explicou à BBC Brasil Antony Froggatt, que assina o estudo junto com as pesquisadoras Laura Wellesley e Catherine Happer. Mas sim que são necessárias políticas que ajudem a informar melhor a população sobre o problema e favoreçam níveis de consumo de carne mais saudáveis e sustentáveis, reduzindo o excesso onde ele existe.

O relatório menciona dados da FAO, braço da ONU para a agricultura e alimentação, segundo os quais a criação de animais para o abate ou a produção de leite e ovos responde por 15% das emissões globais de gases do efeito estufa – o equivalente às emissões de todos os carros, caminhões, barcos, trens e aviões que circulam mundo afora.

O problema estaria em parte ligado ao fato de que a digestão de gado bovino libera uma grande quantidade de gás metano, um dos grandes vilões do efeito estufa. Também haveria um efeito negativo derivado do desmatamento para formação de pastagens e de gases emitidos com a aplicação de adubos e fertilizantes sintéticos.

O estudo da Chatham House faz um levantamento exclusivo sobre as atitudes de pessoas de 12 países – entre eles o Brasil – sobre o consumo de carne, a relação entre a criação de animais e as mudanças climáticas e possíveis políticas públicas para lidar com a questão. O objetivo, segundo seus autores, seria entender como o ciclo de inércia pode ser quebrado e uma dinâmica positiva de ação do governo e da sociedade pode ser criado.

Entre as medidas propostas estão políticas para expandir a oferta de alimentos que sejam uma alternativa à carne, mudanças nos cardápios nas escolas e outras instituições públicas, o estabelecimento de diretrizes internacionais sobre o que seria uma dieta sustentável e saudável e o fim dos subsídios aos produtores de carne onde eles existem.

CálculosNão é de hoje que os cientistas tem tentado entender o impacto ambiental da produção pecuária e medir a emissão de gases poluentes nessa atividade.

Em 2009, um grupo de pesquisadores brasileiros ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) concluiu que a pecuária poderia ser responsável por quase 50% das emissões totais de gases de efeito estufa no país.

No mesmo ano, durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em Copenhague(COP 15), o Brasil se comprometeu a cortar suas emissões entre 36,1% e 38,9% até 2020. E, como o país tem um dos maiores rebanhos bovinos comerciais do planeta, há certo consenso de que, para fazer isso, precisa reduzir as emissões do setor pecuário.

A resposta a esse problema, porém, divide pesquisadores, ativistas e associações de produtores em uma guerra de argumentos e números.

Para alguns, a solução passa por uma redução do consumo excessivo, como defendem especialistas da Chatham House – que mencionam recomendações como as do Fundo Mundial para Pesquisas de Câncer, de que a ingestão de carne vermelha deve ser limitada a uma média de 70 gr por dia (cerca de 500 gr por semana).

Escolas municipais de cidades como São Paulo e Curitiba, por exemplo, há alguns anos vêm aderindo à campanha Segunda-feira sem Carne, que se propõe a conscientizar as pessoas sobre os impactos que o uso de produtos de origem animal para alimentação tem sobre os animais, a sociedade, a saúde humana e o planeta. A campanha, apoiada no Brasil pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) existe em 35 países e no Reino Unido, é apadrinhada pelo ex-beatle Paul McCartney.

Para outros especialistas e associações setoriais, porém, a chave para resolver a questão é melhorar a produtividade da pecuária e incorporar ao setor tecnologias capazes de reduzir suas emissões de poluentes.

Péricles Salazar, presidente Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), por exemplo, considera as propostas de redução do consumo absurdas e sem base científica sólida.

Rodrigo Justos de Brito, Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), considera razoável que haja uma conscientização sobre o consumo excessivo na esfera individual – porque, afinal, tudo que é feito em excesso pode fazer mal.

Ele não acredita, porém, que essa seja uma resposta para a questão do impacto ambiental do setor.

Só com as melhorias no sistema produtivo da pecuária calculamos que podemos reduzir suas emissões (de gases de efeito estufa) para um terço, o que significa que conseguiríamos criar três vezes mais animais sem que houvesse um aumento do impacto ambiental nesse sentido, diz Brito.

Entre essas melhorias técnicas estariam a recuperação das pastagens (que aumenta o carbono capturado pela vegetação e permite uma produção maior em uma área menor), a redução do tempo necessário para o abate dos animais e a adoção de uma nutrição mais adequada, para reduzir a emissão de gás metano.

Para entender o impacto potencial de melhorias como essas, basta lembrar que se estivéssemos criando boi com as mesmas técnicas e produtividade de 50 anos atrás, a Amazônia provavelmente não existiria mais, afirma Brito.

Para o engenheiro agrônomo Sérgio De Zen, da USP, também é necessário aprimorar os sistemas de medição para que se possa entender como a emissão de gases do efeito de estufa pode variar de acordo com especificidades de diferentes sistemas de produção pecuária.

O próprio estudo da FAO (que mostra as emissões do setor como equivalentes às dos veículos), por exemplo, não considera o efeito positivo da captura de gás carbônico pela vegetação, no caso de gado criado no pasto, diz ele.

Para Zen, mesmo que o consumo seja de fato reduzido nos países desenvolvidos em resposta a campanhas e estudos como o da Chatham House, existe um número grande de pessoas na Ásia e outras regiões que hoje comem menos carne que o recomendado – e devem passar a ter acesso ao produto, conforme seus países cresçam e se desenvolvam.

É razoável esperar que o consumo do continue a crescer em função disso, por isso acho que a chave para reduzir as emissões do setor está mesmo na produção, opina.

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