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‘Ela não é um pedaço de carne’: como é o trabalho daqueles que combatem violência contra a mulher no dia a dia

Reportagem relata rotina de profissionais que lidam com agressores e mostra ações de masculinidade positiva.

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Homens em MS aceitam participar de ensaio sobre masculinidade positiva em parceria de fotógrafa com o G1 — Foto: Paniagofê/Arquivo Pessoal

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Alunas em projeto realizado em escolas para trabalhar a masculinidade positiva desde cedo — Foto: Redes sociais/Reprodução

Era pra ser só mais uma aula de educação física, mas, naquele momento a conversa na roda dos meninos o incomodou. Pouco tempo antes, uma aluna passou e um deles disse: “Vou pegar essa menina!”. Incomodado, o professor chamou os garotos e respondeu: “Ela não é um pedaço de carne. Vocês precisam saber como abordar e conquistar uma garota”.

O episódio, que ocorreu em uma escola na periferia de Campo Grande, em agosto de 2019, faz parte da rotina do educador Jessé Fragoso, de 31 anos, que há tempos combate a postura machista e inclusive possui o projeto Honra, no qual percorre escolas e já atendeu ao menos 50 adolescentes, com faixa etária de 13 a 17 anos, dando a eles ensinamento e direções para um relacionamento saudável com a mãe, irmã, tia e futura companheira, por exemplo.

“A maioria desses meninos nessa região não possui uma referência paterna e, quando tem, é distorcida. É aí que surge o trabalho do projeto, que acontece em escolas públicas da cidade e nele os meninos aprendem como começar a tratar as mulheres. Nós também trabalhamos com as meninas no Projeto Princesas, ensinando a elas a se valorizarem e não aceitar qualquer tipo de relacionamento, principalmente, se for abusivo”, explicou Fragoso.

Segundo o professor, com o passar do tempo, os meninos também aprenderam como “investir” nas mulheres. “Eles precisam primeiro saber conversar, tratar bem, não ser grosseiro. Essa ideia começou a surgir após percebermos como era defasada essa situação da masculinidade. Por conta disso, os dados apontam o homem como responsável, em sua maioria, por crimes de homicídio, violência contra a mulher, tráfico de drogas, entre outros. São questões que arrebentam com nossa sociedade. É como se o homem fosse responsável por governar, mas, falha nessa gestão”, argumentou. Por outro lado, ainda conforme Jessé, também existe o compromisso do homem em amar e cuidar das mulheres.

“Hoje se fala pouco da obrigação do homem perante a sociedade. Nós pretendemos intensificar esse ensinamento no próximo ano, falando da hombridade e dignidade do homem. Quando ocorre o bate-papo com essas temáticas, os alunos voltam reflexivos para casa e alguns até afirmaram que faziam essas coisas sem perceber. Outros falaram que viram isso com o pai em casa. Resumindo: a nossa sociedade ainda é muito machista”, ressaltou.

Como resultado, o professor comemora muitas mudanças de comportamento. “Eles começaram a reconhecer que estavam indo para um caminho não tão legal e alguns até choraram de arrependimento. Existe um ciclo que aprenderam que mexer e bater em mulher é normal. Sempre digo a eles: vamos quebrar ciclos e escrever a nossa própria história. Falo isso para meninos que vivenciam essa triste realidade e poderiam fazer a mesma coisa, de prejudicar as mulheres ao redor”, disse.

No caso das meninas, o estímulo é para que elas mantenham a autoestima e se valorizem. "Partindo deste princípio, em ver as mulheres em uma situação de vulnerabilidade, de violação, veio o sentimento de querer cuidar e, de forma indireta, ser exemplo para outros homens, sendo este um caminho para proteger as mulheres. É algo real do projeto e também falamos de relacionamento abusivo e como procurar ajuda e denunciar o agressor", analisou.

Um estudante de 13 anos, que não será identificado pela reportagem, mora no Jardim Colorado e participa do projeto Honra desde o início de ano. Ele disse que aprendeu não só a respeitar as mulheres, bem como melhorou o comportamento dentro de casa. "Quem paga de machão pode ser julgado por isso. Eu nunca presenciei uma situação dessa, nem com meus pais, nem com alguém da família, só que vi como os homens podem ser agressivos", disse.

Ainda conforme o estudante, no dia do 1° encontro, muitos colegas choraram. "Eu fui um deles, acabei ficando muito emocionado. Acho que veio na minha consciência e de muitos lá o que pudemos ter feito com os nossas mães, o que aconteceu com muitas mulheres já. Até na brincadeira na escola não tem mais o empurra-empurra", alegou.

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