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Família diz que adolescente de 15 anos morreu após ter sido dopada e estuprada em Ijuí

Apuração sobre a morte de Milena Eduarda Deckert Schreiber, em 20 de setembro, foi concluída pela Polícia Civil

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Divulgação

Em 19 de setembro, Milena Eduarda Deckert Schreiber pendurou na parede do quarto a série de medalhas conquistadas em competições esportivas, e acomodou em porta-retratos as fotos da festa de 15 anos. Concluiu orgulhosa a organização no cômodo onde dormia na casa da família, em Linha Seis, na área rural de Ijuí, no noroeste do Rio Grande do Sul. No dia seguinte, a adolescente saiu para um almoço de confraternização, que acabaria de forma trágica. Convictos de que a primogênita foi dopada, estuprada e morta, os pais anseiam pelo desfecho do caso.

No início do ano passado, Milena passou a integrar com a irmã, dois anos mais jovem, o grupo de danças de um piquete tradicionalista, na localidade de Capão Bonito. As duas estiveram em poucos ensaios, antes de as atividades serem suspensas por conta da pandemia. Para marcar o dia 20 de setembro, foi organizado um almoço para os adolescentes e famílias. O encontro a céu aberto foi realizado na casa dos responsáveis pelo piquete. O local fica a cinco quilômetros da propriedade rural onde Milena vivia com a irmã e os pais Márcia Cristiane Deckert Schreiber, 39 anos, e Cristiano Schreiber, 42 anos.

Às 10h, a mãe levou as filhas ao churrasco – como estava com crise de rinite alérgica, não ficou para a confraternização. Combinou que buscaria as duas entre 14h30min e 15h. Mas pouco antes disso, os pais receberam um telefonema da caçula informando que a irmã havia sido hospitalizada. Diante de grave hemorragia vaginal, Milena foi socorrida, e a equipe médica tentou reanimá-la. Quando a família chegou ao hospital, ela já havia morrido. Um adolescente de 17 anos é suspeito de ter sido o autor da violência, que resultou na morte de Milena.

— Ela tinha 15 anos, também era menor, e foi morta de uma forma que uma mulher jamais deveria sofrer, de uma maneira covarde. A minha filha saiu para um almoço em uma casa de família. E foi vítima de um crime — desabafa o pai.

Nesse período, além de lidar com a dor da perda da filha, a família tentou compreender o que havia acontecido naquelas quatro horas em que Milena ficou na propriedade. A apuração do caso foi concluída pela Polícia Civil no início deste mês e encaminhada ao Judiciário. Agora, o Ministério Público analisa o caso. Até então, a família da adolescente não vinha se manifestando. Mas após ter acesso à investigação os parentes começaram uma campanha na internet, pedindo por Justiça.

Quatro meses depois da morte da filha, os pais estão convictos de que Milena morreu em razão da violência do estupro sofrido naquela tarde e que, antes disso, foi sedada. A Polícia Civil não se manifesta em razão do segredo de Justiça. Mas os advogados da família vêm acompanhando o caso.

— A Milena foi dopada e estuprada cruelmente, covardemente, brutalmente. Usa o termo que quiser porque nada explica a coisa horrível que fizeram com ela. Estamos falando de um crime premeditado e agora temos como provar. Eu sabia disso desde o momento em que vi minha filha morta na maca no hospital — diz o agricultor.

A apuração

Humberto Meister é um dos profissionais que representa os pais de Milena e teve acesso à investigação. Segundo o advogado, no momento são aguardados laudos periciais de comparação genética por meio de DNA. O caso está com a Promotoria de Justiça Especializada.   

Naquela tarde, Milena estaria deitada em um colchão em um dos quartos da casa e o adolescente suspeito do ato teria chamado os pais para socorrê-la. Neste momento, ela já estava inconsciente. A garota foi levada de carro até o hospital. Desde o início, segundo o advogado, a equipe médica percebeu a suspeita de que a garota tivesse sido vítima de violência sexual, em razão das lesões e do sangramento.

— A autopsia constatou laceração na parede vaginal, além do rompimento do hímen, uma vez que ela era virgem. Algumas veias foram rompidas. Em cerca de 15 minutos veio a óbito. Na certidão, consta que ela faleceu em decorrência da hemorragia causada pela laceração grave. Foi uma violência extrema, é estarrecedor — afirma Meister.

Segundo Meister, a família não entendia porque ela não havia reagido, mesmo diante das lesões graves e isso explicaria o fato de a adolescente ter ingerido algum tipo de sedativo. O advogado diz que a convicção da família se baseia em um dos laudos que integram a apuração.

— O adolescente afirmou que a relação tinha sido consentida. Mas não se entendia por que, diante de um ato tão violento, ela não tinha reagido. Tivemos conhecimento desse laudo e acesso a ele com a entrega da apuração. É uma substância anestésica e um sedativo. A partir daí se compreendeu como ela teria suportado tamanha violência. A vontade dela não existia no momento da relação. Esses laudos vieram trazer a certeza de que não havia consentimento — afirma.

A forma como a adolescente teria sido dopada, segundo o advogado, não ficou clara. Milena não ingeria bebida alcoólica e nem refrigerantes. Para a confraternização, levou uma garrafa de água mineral para tomar com a irmã. Durante o encontro, os adolescentes estavam laçando, montando touro mecânico e andando a cavalo. No início da tarde, alguns foram para uma cachoeira e outros buscar um laço. A irmã de Milena foi andar a cavalo. Nesse período, a adolescente teria ido descansar em um dos quartos da casa. Minutos depois, segundo os pais, Milena saiu carregada, já inconsciente, de dentro da moradia.

 Até o início da tarde ela estava bem, consciente. Minutos depois, já estava desfalecida e praticamente morta. Como foi constatada na urina, a ingestão teria sido recente. Os pais estavam aguardando a conclusão, para não cometer nenhuma injustiça. Quando souberam que ela tinha sido dopada, ficou claro como os fatos se passaram — afirma Meister.

Sobre o adolescente, conforme o advogado, caberá ao Ministério Público decidir se ele deve ou não ser apreendido temporariamente e encaminhado para cumprimento de medida socioeducativa. A Polícia Civil já concluiu a apuração, embora ainda possa realizar mais alguma diligência, se for solicitado.

— O MP solicitou que o Instituto-Geral de Perícias remeta os exames de DNA de algumas outras pessoas. Para saber se há confirmação somente do adolescente ou se teve coparticipação no estupro. Não se descarta que outra pessoa possa ter participado — diz o advogado.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul informou que está acompanhando o caso, mas que não se manifestará no momento. A 2ª Vara Criminal da Comarca de Ijuí, por meio de nota, divulgou que o processo corre em sigilo devido ao envolvimento de duas pessoas menores de idade.

"O referido Boletim de Ocorrência fora trazido ao Judiciário no início de janeiro/2021. Na sequência foi dada vista ao Ministério Público, o qual requereu, com urgência, a finalização de perícias com o envio dos laudos para juntada e andamento do procedimento", afirmou o Judiciário.

Atleta e de voz doce

Na propriedade rural da família, em Linha Seis, a 22 quilômetros da área central de Ijuí, a adolescente costumava ajudar os pais no cultivo de soja, milho e trigo, além da ordenha com as vacas de leite. Sonhava concluir o ensino médio na Escola de Ensino Médio Casa Familiar Rural, em Catuípe, e cursar Agronomia.

— O sonho dela era ficar tocando a propriedade aqui. Era uma menina muito prestativa, querida, obediente. Tentamos criar da melhor forma possível. Era um doce — diz o pai.

Apesar do sorriso tímido, Mi, era chamada, costumava se destacar e se tornar liderança nos grupos dos quais participava. Fazia parte da Igreja Evangélica Luterana Emanuel de Ijuí, onde era presidente do grupo de jovens, e participava da banda. Com dom para música, e voz delicada, adorava cantar e tocava instrumentos como violino, violão e flauta doce.

No ano passado, a adolescente havia concretizado o sonho de ter sua festa de 15 anos. As fotos da comemoração seguem expostas no quarto, que os pais mantêm intocado. No dia 17 de janeiro, quando ela deveria ter completado 16 anos, a família levou flores no cemitério.

— Aqui em casa respiramos ela o dia inteiro. Vivemos aqui com ela desde que nasceu. Estava sempre com a gente. O quartinho está do jeito que ela deixou. Isso tudo machuca demais. Passamos o primeiro Natal, o primeiro Ano Novo, o primeiro aniversário, sem ela. Isso é horrível. A gente só fica firme por ter Deus maior que dá força. A Milena era muito religiosa, tinha Deus no coração dela — descreve o agricultor.

Contraponto

Procurado por GZH nesta quinta-feira (28), o advogado Guilherme Kuhn, responsável pela defesa do adolescente, informou que pretende comprovar a inocência de seu cliente e que só apresentará a versão para os fatos nos autos do processo

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