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Oficial de Justiça vai até em velório para permitir que família assista enterro

A função deles é a de efetivar as ordens judiciais, mas pelas histórias, eles parecem ser pagos para se divertir, uma sensação, é claro, que surge depois que o sufoco passa. Em Campo Grande, são 123 oficiais de Justiça pelas ruas trazendo na pasta documentos que nem sempre são vistos com bons olhos. Os papeis sigilosos e endereçados especificamente ao fulano de tal podem trazer desde uma citação e intimação, até notificação, mandado de prisão, penhora, busca e apreensão.

Um dos mais experientes oficiais de Justiça e hoje instrutor na formação dos novos profissionais, prefere não se identificar, mas narra o cotidiano de quem trabalha como portador das notícias judiciais. “99,99% dos tipos de mandados você cumpre com absoluta normalidade, mas quando um único dá problema, vira foco de atenção pitoresca, ou quando não, trágica, mas a maioria é pitoresca”, sustenta. E é mesmo. Os próprios oficiais são a prova viva disso.

O oficial Luiz Carlos Albuquerque Barbosa, de 47 anos, tem duas décadas no serviço e várias calças rasgadas por cachorros. Hoje em dia ele conta que o número de cães diminuiu no centro, mas ainda é grande nos bairros. “A gente corre, mas o cachorro pega na calça”, explica.

Num dos episódios que marcaram, o dono de um veículo com atraso nas prestações, resolveu intimidar. “Ele sacou a arma e falou, aqui não tem homem que vai levar esse carro. Você vai fazer o quê? Correr? Se correr leva tiro nas costas. Eu falei, olha o senhor tem como se defender, mas não por este meio e não aqui. Se me matar, outro oficial vai vir aqui”, descreve.

Entre armas, cachorros e brigas de marido e mulher, Luiz Carlos foi obrigado a desenvolver estratégias. “Eu procurou ouvir, você tem de deixar possibilidades para eles, não eliminar a esperança, daí a pessoa vai se acalmando, diminuindo a resistência”, conta.

O homem, a esposa e o reconhecimento de paternidade:

Outro fato memorável foi a quarta ida a uma casa, atrás de um homem. Nas três primeiras viagens, a mulher quem atendia à porta e queria porque queria saber o motivo da procura. “Eu falei não posso, não posso, é só com ele. Na quarta vez, o marido veio falando que não tinha segredos com a mulher, que eu tinha que falar ali, quando eu disse a situação é de reconhecimento de paternidade, ele ficou branco. Na certa, ao entrar em casa, a mulher deve ter acabado com ele”.

A experiência lhe fez entender a reação de quem está do outro lado. Além do preparo técnico e de legislação, Luiz Carlos precisou colocar um pouco de psicologia nas abordagens. 

“Todo mundo se assusta e se a pessoa é o réu, ele vai agir negativo, mas ele não está xingando eu, Luiz e sim o Estado, a Justiça”, avalia. O lance é manter a calma e não entrar para a briga. No mais, os serviços podem e são acompanhados, quando necessário, pela Polícia Militar.

 abacate, a telha e a dívida de R$ 22:

Na sutileza de não entrar na briga, Luiz Carlos bateu no terreno de um senhor das antigas. A casa ficava ao fundo, depois de um vasto gramado. A ação ali era por R$ 22, fruto de um estrago que um dos abacates do dono da casa provocou ao quebrar a telha da vizinha.

“A penhora era por um aparelho de som. Eu entrei e ele me disse não, aqui ninguém penhora nada e eu lhe prego a mão. Eu tive de sair correndo e ele parou no portão”, detalha.

Como a ação era acompanhada por uma viatura da Polícia Militar, um tenente disse que iria lá resolver. Segundo o oficial da Justiça, o mesmo voltou com a frase “nem oficial, nem juizinho e nem o senhor penhora nada dessa casa”. À essa altura do campeonato, outros dois homens já acompanhavam o dono da casa. A Polícia teve de chamar por reforços.

“Os quatro policiais ouviram nem você, nem você, nem você, nem você. Ninguém penhora nada dessa casa. Daí o policial virou e falou quanto é a conta? Vamos rachar?”, recorda Luiz Carlos. Para o oficial, até que seria possível devido ao desgaste – a ação começou na tarde e a noite já havia chegado – mas para ele era um desaforo neste caso. O desfecho se deu quando o filho do dono do pé de abacate chegou e pagou a dívida. “Eu nem aceitava dinheiro, mas naquela situação, a gente fez o auto de penhora com os R$ 22”.

Conformado, o homem que pediu para fazer as malas na hora de ser preso:

O estresse de uma briga por pensão alimentícia pode levar a extremos e foi isso que o oficial de Justiça viu com os próprios olhos. “Eu cheguei, ele da janela já me perguntou: posso arrumar as malas? Eu disse pode, mas eu preciso acompanha-lo, para impedir uma possível fuga pelos fundos. Ele me perguntou o que eu levo? Respondi duas mudas de roupa, escova de dente, sabonete, chinelo e é bom uma coberta”, descreve.

Diante de tanta calma do pai, o oficial estranhou. “Eu fico preso, mas ela vai morrer de fome, porque eu não vou dar mais R$ 1. E ele foi preso duas vezes”, discorre Luiz.

Na penhora por televisão, mulher tira a roupa mostrando o “bem” mais valioso:

“Fui fazer uma penhora de televisão. Era um condomínio, a mulher abriu a porta de roupão e quando eu disse ela mandou essa: penhorar algo de valor? A única coisa que eu tenho é isso aqui e abriu. Quer penhorar? Eu fui embora, quando você é pego de surpresa assim, é melhor abortar o cumprimento e voltar depois. Ela, da janela, mostrava os seios e gritava para que eu nunca mais voltasse lá e me xingava. Eu só pensava que os vizinhos e funcionários iam achar que eu tinha dormido com ela”.

Na hora de fazer cumprir a ação, além das crianças, quem mais entrega os ‘donos’ são os cachorros. Por experiência, os oficiais já sabem que quando o cão late olhando só para eles, pode dar meia volta que não tem ninguém em casa. Mas quando o latido é direcionado para casa, na certa tem gente se escondendo lá dentro. “As crianças também, você pergunta cadê seu pai? Papai não está. E sua mãe? Eles dizem minha mãe está escondida também. Criança não sabe mentir, entra em contradição já na segunda pergunta”.

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