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Vício em pornografia coloca casamentos em risco

Compulsividade também pode afetar empregos e até a saúde mental

Psiquiatra Marco Scanavino (Foto: )

Começa com um pensamento, uma curiosidade. Depois, o desejo é alimentado e você clica – só uma vez. Olha, sente prazer e, quando percebe, a situação ficou incontrolável. Esse é o roteiro do acesso a conteúdos pornográficos, que pode levar ao vício e ameaçar casamentos, empregos e até a saúde mental da pessoa compulsiva.Disponível na TV, no celular e no computador, a pornografia sempre existiu, mas a diferença é que ela nunca esteve tão acessível. “Esse consumo é algo antigo. Mas a internet trouxe facilidade ao acesso de conteúdos eróticos. Isso faz com que mais pessoas acessem, e as chances de compulsão aumentem”, diz o psiquiatra Marco Scanavino, responsável pelo Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

“O casamento é o mais afetado com a pornografia. Esse vício pode demonstrar um desinteresse no parceiro e incentivar a infidelidade”, diz a psicóloga Gina Strozzi, especialista em Sexualidade Humana. De acordo a juíza Maria Ignez Bermudes Rodrigues, titular da 3ª Vara de Família da Serra, a traição é o principal motivo de separações e de divórcios. “Não temos estatísticas sobre isso. Mas na prática, percebo que a traição – que pode ser apenas virtual – tem levado ao fim muitos casamentos”.Na própria peleO comerciante Lucas (nome fictício), 40 anos, demorou a admitir que era viciado em pornografia. Ele usava a internet como uma fuga para o casamento que não ia bem. “Toda vez que eu ligava o computador, mesmo que fosse para pesquisar outra coisa, eu entrava em alguma página de conteúdo proibido. Após o primeiro clique, não tem limite.”Ele sempre dormia depois da esposa, um dos sinais do vício. Mas, em uma dessas ocasiões, ela o flagrou vendo vídeos. “Isso estremeceu muito o meu casamento. É difícil demais para a mulher. O vício era uma coisa doentia. Via até no meu trabalho. Quando o relacionamento esfriava, eu ia para internet”. A psicóloga afirma que esse vício gera isolamento. “Perde-se empregos, esposas e família. É importante perceber a dificuldade de sair da frente do computador e buscar ajuda”, recomenda.No caso do comerciante, a religião ajudou. “Eu fechava os olhos na igreja e vinham esses pensamentos. Mas eles passaram, e Deus me libertou. Com o tempo, aprendi a ser um marido melhor e compreensivo.”DiálogoPara o professor Felipe Aquino, autor do livro “Vida Sexual no Casamento”, o cônjuge que sofre com o problema do parceiro deve ajudá-lo a vencer essa prática por amor a Deus, ao cônjuge e ao casamento. “É preciso examinar com sinceridade se está havendo falta de harmonia conjugal e sexual entre o casal”, sugere o autor. FilhosA preocupação de muitas mulheres é de o vício dos maridos atingir os filhos. Segundo o psiquiatra, não é bom a criança ser exposta precocemente ao erotismo. “Uma coisa é receber educação sexual. Mas ser exposta à pornografia é muito ruim. Pode favorecer essa criança, quando adulta, a desenvolver problemas sexuais e a própria compulsão”, alerta Scanavino.

CausasTer na família pessoas viciadas em pornografia ou outros vícios pode levar à compulsão sexual. “Pré-disposição genética; convivência em uma família onde limites e hierarquias não são bem definidos; se a criança é exposta a conteúdos sexuais ou se sofreu violência sexual. Esses são os principais motivos para a compulsão sexual na vida adulta”, explica o psiquiatra.

ComportamentoUma pesquisa feita com 86 homens, que procuraram o Ambulatório de Impulso Sexual Excessivo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, apontou a pornografia como um dos principais comportamentos considerados problemáticos. A pornografia ficou em segundo lugar (72%), perdendo apenas para a masturbação (82%). A maioria dos pesquisados também tinha outro diagnóstico psiquiátrico.“Essas pessoas realmente estão sofrendo, sendo que 29% preenchiam critério para depressão; 46% apresentavam algum transtorno de ansiedade e 22% risco para suicídio”, avalia um dos autores do estudo publicado em 2013, o psiquiatra Marco Scanavino.Além de ameaçar o casamento, um estudo alemão, publicado no ano passado, feito com 64 homens saudáveis, observou a relação com as horas gastas com pornografia e as alterações nas dimensões de algumas estruturas cerebrais. “Esse estudo dá bastante apoio à ideia de que o consumo de pornografia pode provocar no cérebro alterações muito parecidas com os dependentes de drogas”, diz o médico.

Número de mulheres viciadas vem aumentando

Apesar de o vício em pornografia estar mais associado ao sexo masculino, é crescente o número de mulheres que consomem esse tipo de conteúdo. 

“O vício é mais comum nos homens, e o aspecto cultural provavelmente pode ser o principal fator. Mas o consumo tem crescido junto às mulheres jovens e às adolescentes”, afirma o psiquiatra do Hospital das Clínicas da USP Marco Scanavino.Segundo o pastor Jucimar Ramos, presidente do Ministério Bálsamo de Gileade – grupo de apoio que se reúne semanalmente -, as mulheres procuram mais ajuda do que os homens. Ele lembra de um caso recente que acompanhou. “A esposa amava o marido, não queria a separação, mas estava viciada na adrenalina da pornografia. O marido achou que ela o estava traindo e instalou um programa espião no computador. Ao ser questionada, ela negou, mas diante das provas, admitiu”. Ramos conta que os dois procuraram o grupo de ajuda, em momentos diferentes. “No começo, ela teve algumas recaídas, mas faz seis meses que não acessa esse tipo de conteúdo. E se tiver alguma recaída, eles conseguem se comunicar abertamente. Ele passou a compreender os motivos que a levaram a esse vício e ela conseguiu descobrir porque recorria à pornografia”. Para o pastor, todo vício tem uma origem emocional e, no grupo, as pessoas têm a oportunidade de desabafar em um local seguro e compartilhar soluções. “Já acompanhamos muitos viciados em pornografia. Ela atrapalha a vida a dois porque gera desinteresse do compulsivo no próprio casamento e produz no outro o sentimento de traição. Mesmo que, na maioria dos casos, a traição efetivamente não aconteça.”Os homens, de acordo com o pastor, têm mais dificuldade de entender a pornografia como algo ruim. “Só quando chegam a trair, admitem o problema.”

Professor Felipe Aquino (Foto: Divulgação)

Minientrevista

Autor de mais de 70 livros católicos, incluindo o “Vida Sexual no Casamento”, o professor Felipe Aquino alerta para o perigo do vício em pornografia e o que a Igreja diz sobre o tema. A pornografia pode levar ao divórcio? Recebo muitas reclamações de mulheres casadas que se queixam de ver seus maridos na internet vendo cenas e vídeos pornográficos. Elas se sentem muito ofendidas e traídas em seu relacionamento. Na verdade, isso é falta de fidelidade conjugal. Algumas mulheres me falam de separação por esse motivo.Qual é a orientação da igreja? A Igreja condena a pornografia, pois é um uso inadequado do sexo. Pode ser causa de nulidade da união? O Código de Direito Canônico não contempla, em princípio, essa causa como motivo de nulidade, por ser algo que acontece, normalmente, após o casamento.Quais são os prejuízos ao casamento?

A pornografia atrapalha o relacionamento conjugal e sexual do casal. Alguns querem viver com o cônjuge o tipo de relacionamento sexual que viu na pornografia, ofendendo a consciência do cônjuge.O senhor percebe que as uniões têm chegado ao fim por quais motivos?Muitos confundem amor simplesmente com sexo ou romance, esquecendo que amar é construir o outro.Brigas frequentes; desarmonia sexual, especialmente quando o marido se satisfaz no ato sexual e a esposa não; falta de maturidade e diálogo sincero são outros motivos.

Como identificar e sair da compulsão

SinaisTempoA pessoa começa a passar muito tempo vendo pornografia, chega atrasada a compromissos e no trabalho. IsolamentoO compulsivo começa a se afastar das pessoas e diminui o convívio social. SonoDormir pouco é um outro sinal, porque a pessoa fica boa parte da noite olhando sites e, no outro dia, está cansada e com sono.ExcitaçãoEla percebe que precisa de mais tempo para obter uma excitação que tinha com maior facilidade antes.Sem freio

Tenta parar, mas não consegue. Começa a apresentar sintomas físicos e psíquicos.

Fica ansioso e inquieto Não consegue parar mesmo sabendo das consequências negativas, como perder o emprego e o casamento.

O que fazerAjudaAo apresentar três dos sintomas acima, deve-se buscar a ajuda de profissionais de saúde mental, principalmente aqueles com especialização na área.ParceiroSe a pessoa que tem o vício for casada, é importante conversar com o parceiro (a) sobre o problema. EviteÉ preciso ter força de vontade para evitar as ocasiões onde a pornografia é oferecida, especialmente na internet, vídeos, filmes, revistas, etc. Conte com a ajuda do cônjuge nessa luta.TratamentosEnvolvem, principalmente, a psicoterapia e alguns medicamentos, que ajudam a diminuir a compulsão sexual. Fonte: psiquiatra da USP Marco Scanavino e professor Felipe Aquino

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