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Violência emocional nos call centers é de adoecer

Pressões da operadora e xingamentos dos clientes afundaram a ex-atendente Adriana em uma depressão; ineficiência das empresas obriga funcionários a tolerar desaforos

(Foto: Kísie Ainoã)

*Adriana: “Boa noite aqui fala a Adriana. Em que posso ajudar?”

Cliente: “Eu quero falar com o supervisor. Quero saber por que a minha linha não foi cancelada ainda?”

Adriana: “Senhor, o supervisor não se encontra no prédio, mas deixe sua reclamação e ela será encaminhada.”

Cliente: “Não vou deixar. Porque você é uma incompetente. É uma inútil. Que não resolve nada. Vou meter você na Justiça. Como é teu nome? Me passa o número do seu registro de trabalho agora.”

Adriana: “Pois não, senhor.” (A atendente fala o número.)

Cliente: “Me fala seu nome completo.”

Adriana: “Não há necessidade do nome completo, senhor, já passei o número.”

Cliente: “Ah, não vai passar? Pelo seu número consigo o nome completo. E fique sabendo que quando chegar a intimação para você na sua casa fui eu que te meti na Justiça.”

Adriana: “Sim, senhor.”

Cliente: “Chama o supervisor agora!”

Pressionada pelo cliente, Adriana age por conta própria. Telefona para o supervisor e pede ajuda. Ele mal escuta a história e anuncia: “Ah, não! Esse velho de novo eu não vou atender. Aguenta aí.”

Não foi a primeira vez que Adriana, a agente de atendimento do call center da Oi (cujo serviço é terceirizado para BT Call Center), em Campo Grande, passou por sufoco. Ao atender outras ligações, ela já havia sido chamada de “vagabunda”, “anta” e “incapaz”. Segundo a moça, as agressões verbais de clientes insatisfeitos fazem parte da rotina das atendentes da operadora.

Porém, os desaforos da clientela não são a única explicação para a saúde fragilizada da ex-funcionária atualmente. As lembranças das pressões da empresa fazem a jovem de 25 anos chorar. “Após seis meses, comecei a sentir pânico quando ia atender as ligações. A partir daí vieram os calafrios, suadouros, tontura, vômito, tremedeiras, ansiedade e medo”, relata.

A jovem afirma ter avisado a empresa que estava ficando doente, mas tudo o que recebeu foi pressão dos supervisores para não faltar ao trabalho. “Eles alegavam que as minhas faltas iriam afetar o desempenho da equipe e que eu tinha de pensar no grupo”, detalha.

Já doente, Adriana se esforçava para tolerar o ambiente de trabalho hostil. As idas ao banheiro são controladas. Cada atendente só tem direito a uma pausa. Frequentemente, os supervisores usam megafones para anunciar que as idas ao banheiro estão proibidas. Além disso, Adriana conta que foi várias vezes priorizada (selecionada para receber ligações sem parar como forma de compensar oscilações na produtividade). Situação que só piorou o seu estado de saúde.

Adriana aguentou um ano e três meses. Desligou-se do trabalho, mas não das lembranças ruins, como a do dia em que desmaiou na rua, no centro da cidade, e foi socorrida por funcionários de uma loja próxima. Atualmente, ela vive à base de medicamentos receitados pelos psiquiatras para sair da depressão. Tudo pago pelo pai, pois, ao pedir demissão, ela nada recebeu além do mês trabalhado.

Testemunha do drama de Adriana, a amiga e ex-colega de trabalho *Mariana, de 31 anos, também tem péssimas lembranças da época em que era funcionária do call center. “Eles nos incentivam a tomar muita água por causa da voz, mas regulam a ida ao banheiro. Os supervisores dizem que temos de aprender a controlar a bexiga, tudo para não desgrudar do telefone.”

Mariana ficou no trabalho por pouco mais de um ano. Ela também tolerou muitos clientes descontando nela a insatisfação com os serviços da operadora. “A maior parte das reclamações dizia respeito a cobrança a mais na fatura. Registro de ligações que o cliente não fez. Internet com velocidade menor do que a adquirida”, recorda. “Muitas vezes o cliente paga por 15 mega, mas só recebe 5 que é o que tem na região onde ele mora. O vendedor sabe disso, mas ilude o cliente. Afinal, ele tem cotas para atingir. E o supervisor ainda exige que a gente dialogue e acalme o cliente. A empresa não resolve o problema do consumidor e sobra tudo para a gente”, acrescenta.

Inclusive, a qualidade ruim dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicação no Estado é alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa, assunto de várias matérias veiculadas pelo Diário Digital.

Nos call centers, segundo as ex-funcionárias, os atendentes nem sempre recebem o treinamento adequado para sanar as dúvidas dos clientes. “Em um determinado mês, recebemos treinamento para um plano, mas, quando a demanda crescia no outro call center, nos obrigavam a atender chamadas de um plano novo para o qual não tínhamos recebido nenhuma orientação. Aí, quando o cliente liga, você não sabe o que fazer”, reclama.

Apesar de indignada, Mariana, que deixou o serviço em meados de 2013, quase na mesma época em que a amiga, já está refazendo a vida. Em breve, ela começará a trabalhar em uma clínica odontológica. Adriana, por sua vez, ainda não consegue pensar em trabalho.

O Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações de Mato Grosso do Sul (Sinttel-MS) amparou a jovem. O advogado Otoni Cesar Coelho Souza está movendo ação judicial na qual questiona os valores pagos à ex-funcionária, exige pagamento por danos morais e ressarcimento das despesas psiquiátricas e com medicamentos. A moça já passou por três audiências, perícia médica e aguarda o julgamento da ação.

O advogado informa que 10 mil trabalhadores do setor das telecomunicações são representados pelo sindicato em ações trabalhistas coletivas e individuais. A maioria são ex-trabalhadores de call centers, situação comum em todo o País. Conforme Otoni, 23,3% dos trabalhadores do sistema call center do Brasil estão no INSS por doença ocupacional, acidente de trabalho, síndrome do pânico, depressão, síndrome de Burnout – distúrbio depressivo, cujo principal sintoma é o medo de ir trabalhar –, entre outras enfermidades.

Na avaliação dele, a terceirização precarizou os serviços das telecomunicações e tornou pobre o ambiente de trabalho. “Agora os funcionários estão sempre sujeitos a pressões”, analisa. O problema para o setor, ainda de acordo com o advogado, teve origem na privatização do sistema de telecomunicações do País, que ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso.

A qualidade dos serviços despencou junto com a consideração pelo trabalhador. “Na época em que a Oi era Telems (estatal), uma telefonista ganhava em média 15 salários mínimos. Hoje, essas moças dos call centers recebem R$ 600. Em outras funções, como a de cabista (profissional que instala e faz reparos em cabos telefônicos), por exemplo, o ganho era de cerca de R$ 5 mil e caiu para R$ 1 mil. Os salários caíram e as pressões por produtividade aumentaram”, atesta.

Outra constatação do Sinttel-MS é de que as empresas de telecomunicação não contratam o número necessário de funcionários para prestar um bom atendimento ao cliente. “Hoje, no Estado, trabalham cerca de 20 pessoas na área, mas seria necessário o triplo para atender a demanda. Sabemos de localidades no interior do Estado em que um técnico de internet fica sozinho para prestar atendimento para uma região inteira. Por vezes, ele precisa se deslocar a longas distâncias para atender o cliente”, relata.

O Diário Digital questionou a Oi sobre todas as queixas mencionadas pelas ex-funcionárias nesta reportagem. Por meio da assessoria de imprensa, a operadora encaminhou a seguinte resposta publicada na íntegra: “A BT Call Center informa que realiza um trabalho permanente de monitoramento, conscientização e avaliação de seus gestores e supervisores para que todos atuem de acordo com as normas de conduta, código de ética e políticas de RH da companhia.

 

Acrescenta ainda que preza pelas boas condições de trabalho dos seus colaboradores e disponibiliza canais para denúncias, a fim de se identificar e coibir qualquer desvio de conduta da gestão. A BT Call Center esclarece que oferece o treinamento adequado para o desempenho das funções de todos colaboradores”.

A empresa alegou ainda, por meio da assessoria, que não seria possível fornecer respostas mais específicas por não saber quem eram as funcionárias em questão. De fato, a identidade delas foi preservada. *Adriana e *Mariana são nomes fictícios. A primeira, inclusive, sente-se pouco à vontade com a exposição. Atualmente, a jovem repousa em casa apoiada pela família e pela amiga Mariana, que tenta animá-la. “Eu sempre digo que isso é uma fase. Adriana a

inda será muito feliz e realizada.” Qualquer pessoa que tenha senso de justiça está desejando o mesmo agora.

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