Publicado em 31/01/2020 às 08:53, Atualizado em 31/01/2020 às 13:01

Igreja terá que devolver R$ 20 mil “doados” por casal após promessa de milagre

A igreja terá que devolver o dinheiro com correção monetária a contar da data de doação, além de juros de mora.

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Divulgação

A promessa de um milagre e quase R$ 20 mil doados a uma Igreja Universal do Reino de Deus. Apesar de ter sido uma doação, desembargadores da 4ª Câmara Cível negaram provimento ao recurso interposto por uma igreja contra sentença de primeiro grau que declarou a nulidade de uma doação realizada por um casal de fiéis, condenando a entidade ao ressarcimento de R$ 19.980. A igreja terá que devolver o dinheiro com correção monetária a contar da data de doação, além de juros de mora.

De acordo com o processo, o fiel vendeu seu único automóvel por R$ 18 mil e entregou à igreja com mais R$ 1.980,00, proveniente da sua aposentadoria do mês de 12/2016 como doação. A história parece de muitos, a esposa frequentavam a igreja em busca de orientações espirituais e conforto, na esperança de amenizar a difícil situação financeira vivenciada na época.

Ela então se sentiu pressionada a fazer o depósito, pois estava sob forte influência de um pastor ao prometer milagres na vida dos autores, induzindo-os a erro. E foi em decorrência desta doação, o casal comprometeu o pagamento de contas de água, luz e demais itens básicos para a sobrevivência da família.

É meu

A igreja recorreu sob o argumento de que é vedado ao judiciário embaraçar a liberdade de liturgia religiosa e que está amparada pelo exercício da liberdade de organização religiosa. Para se defender, a igreja afirmou que dízimos e ofertas eclesiásticos não podem ser confundidos com doação, que o dízimo é ato metajurídico e não interessa ao mundo do direito.

E rolou até sustentação oral, onde a defesa da igreja frisou que os atos eclesiásticos são feitos por mera liberalidade, pois os fieis não são obrigados a doar coisa alguma. “A pessoa é livre para escolher a religião que segue como também para permanecer e cumprir o que é pregado no segmento religioso escolhido. O fiel veio de São Paulo para MS e continuou a frequentar a igreja, o que mostra que era grande conhecedor da liturgia da igreja”.

Segundo o advogado da instituição religiosa, quem contestou a doação foi a família do casal, obrigando-o a contestar judicialmente o valor doado sob alegação de coação do pastor. Ao final, aponta que o casal não comprovou a real situação financeira e que não há provas de que a doação exauriu todo o patrimônio da família. Requereu a reforma da sentença de primeiro grau.

Não colou. Em seu voto, o Des. Alexandre Bastos, relator da apelação, frisou que a sentença de primeiro grau bem aplicou o art. 541, parágrafo único, do Código Civil, ao demonstrar que a doação verbal somente poderia ter sido realizada se versando sobre bem móvel e de pequeno valor, o que não ocorreu neste caso por se tratar de veículo no valor de R$ 19.980,00, portanto, sendo inválido o negócio jurídico.

Bastos ressaltou que a venda do único automóvel e doação da aposentadoria, diante das condições pessoais demonstradas por meio de extrato bancário, valor de benefício previdenciário, entre outros dados pessoais, são suficientes para concluir que levaram ao comprometimento da subsistência do casal.

Sobre o argumento de que é vedado ao judiciário embaraçar a liberdade de liturgia religiosa ou de que os fatos não interessam ao mundo do direito, no entender do magistrado, certo é que não há nenhuma norma legal que garanta à entidade religiosa, independentemente da fé professada, qualquer tipo de isenção apenas pelo fato de lidar com a espiritualidade.

“Deve-se registrar que o mesmo teto constitucional que abriga e protege a liberdade religiosa é o que protege o cidadão e seu conjunto de direitos, sobretudo aqueles que impliquem na sua própria subsistência, sua liberdade e igualdade, integridade e moralidade nas relações a que se submete. Pelo contrário, o controle pelo judiciário se mostrou legítimo, sem violação à liberdade de crença. Portanto, de rigor a manutenção da sentença. Conheço do recurso e nego provimento. É como voto”.

Foi acompanhado em unanimidade.