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VÍDEO: catadora que contratou Bernal como advogado não sabia que ganhou R$ 150 mil

Catadora que contratou Bernal como advogado não sabia que ganhou R$ 150 mil

Acusado de ter se apropriado do dinheiro de uma indenização que conseguiu como advogado para uma catadora atropelada por um caminhão de lixo em 1999, o prefeito de Campo Grande, Alcides Bernal (PP), negou a denúncia na última semana. No entanto, a ex-cliente, localizada pela reportagem do Midiamax, diz que nunca recebeu o dinheiro total.

Dilá Dirce de Souza está agora com 65 anos, vive em uma casa humilde e tem dificuldades para andar por causa do acidente. Também está perdendo os dentes. Até esta semana, ela nem imaginava que tem uma pequena fortuna depositada em seu nome. O valor é de aproximadamente R$ 150 mil.

O caso veio à tona quando a Revista Veja, de 4 de setembro de 2013, publicou uma nota sobre o episódio com o título ‘Apropriação Indébita’.

A Veja escreveu que Bernal “é acusado de ter se apropriado do dinheiro de indenização de uma catadora de papelão, que o contratou como advogado, em 1999”. Bernal chamou a imprensa na Prefeitura, mostrou alguns documentos e afirmou que vai processar a revista, por calúnia e difamação.

O caso envolve direitos e valores financeiros por reparação de danos da ex-catadora. A reviravolta se deu porque, no começo de 2013, Dilá contratou o advogado Rubens Pereira de Deus, para assumir o processo. Na ação, iniciada por Bernal, ela pediu indenização para a empresa Vega Engenharia Ambiental, desde a época do acidente, 12 anos atrás.

Em 1999, quando estava fazendo o único serviço que lhe assegurava o minguado ganha-pão de R$ 350,00, Dilá foi atropelada por um caminhão de lixo que dava marcha à ré no lixão de Campo Grande.

A catadora sofreu fraturas no quadril, fêmur e costelas, e ficou, depois impossibilitada de se locomover. A ‘cabeça’ do seu fêmur chegou a necrosar, dada a demora de uma cirurgia reparadora por conta dos recursos da Vega Ambiental.

Parte dos custos médicos e uma pensão alimentícia vitalícia de um salário mínimo foram obtidos com a por Alcides Bernal no Judiciário, ainda em 1999. Foi o marido de Dilá, através de pessoas que souberam do caso, que chegou até o advogado.

“Através de informações de pessoas próximas a ele, conhecidos dele, a gente foi procurar. Aí no momento em que o meu esposo procurou ele, levou os papéis pra ele, perguntou se eu tinha direito a respeito do acidente e ele falou que tinha direito. Aí que ele bateu a procuração e levou pra mim no CTI, eu assinei, eu tava no CTI quando dei a procuração pra ele. Até aí eu ainda não conhecia ele”, explica a ex-cliente de Bernal.

Bernal, segundo ela, chegou a levar “o juiz e o médico” até a casa humilde em que morava na periferia de Campo Grande. Durante a reportagem gravada em vídeo, em nenhum momento Dona Dilá atacou Bernal. Chegou a ressaltar que a mulher do advogado a levou ao médico e os exames em muitas ocasiões.

Mas, por outro lado, a ex-catadora disse se sentir abandonada por Bernal, que não lhe informou do êxito obtido no processo, e por não atendê-la mais. “Me senti abandona”, afirma ela.

Sentenças e dinheiro

No dia 05 de abril de 2.000, nove meses depois do acidente, saíram as primeiras decisões do processo 1999.0023334-4, favoráveis à ex-catadora.

Decisão do juiz Luiz Gonzaga Mendes Marques, da 4ª Vara Cível da capital, falava em indenização de “danos morais, na quantia de R$ 18.120,00, a ser paga de uma só vez, acrescida de correção monetária e juros de mora de 0,5% ao mês”.

E mais um salário mínimo mensal para alimentação. Além disso, a Vega teria que custear todo o tratamento. “Às requeridas imponho a ‘obrigação de fazer’ consistente em fornecer à autora, ‘in natura’, tratamento médico/clínico, bem como todos os medicamentos e equipamentos (muletas, cadeira de rodas,...) que se fizerem necessários até a completa consolidação das suas lesões, sob pena de multa diária (astreintes) que, nos termos do artigo 461, parágrafo 4º, do (CPC) Código de Processo Civil, arbitro de ofício em R$ 200,00 (...), decidiu o juiz.

A Vega recorreu da decisão em 2ª instância e perdeu.

Quando os tratamentos começaram, Dilá passou a ser tratada como paciente particular, apesar de ter sido atendida no SUS logo depois do acidente. O tratamento posterior, estranhamente, passou a ser pago na Santa Casa.

No processo aparecem gastos na internação com “internação na Santa Casa R$ 4.000,00; prótese femural de R$ 4.313,49; honorários médicos do cirurgião de R$ 8.375,50; anestesista R$ 3.350,00; auxiliar 1 R$ 2.512,50; auxiliar 2 R$ 1.675,00 e instrumentadora R$ 837,00. O total de R$ 25.063,49 foi pago pela Vega Ambiental.

A partir das sentenças judiciaisno processo de quatro volumes, a conta judicial em nome de Dilá Dirce de Souza recebeu depósitos variados, que totalizaram, à época, mais de R$ 50 mil. Parte deles foram sacados por Bernal, sob o argumento da cobertura de custos médicos.

Além deste valor, a Vega foi multada por não cumprir parte das decisões. No caso dos danos morais, que passaram a ser apurados num processo à parte, a multa e a correção aumentaram a indenização para R$ 54.600,00.

Em 27 de fevereiro de 2002, o dinheiro já estava depositado na conta judicial do processo em nome da catadora, sem que ela soubesse de nada. O valor havia sido confiscado pela Justiça dos débitos que a Vega teria a receber da prefeitura de Campo Grande.

Somado e corrigido, o dinheiro de Dilá, hoje, ainda na Justiça, é de mais de R$ 150 mil. Apesar de dispor do dinheiro, ela conta que o tratamento ainda não está finalizado. “Eu não durmo, eu sinto muita dor”, resume. Mas não é só. Segundo ela, Bernal não lhe dava muita satisfação do andamento do caso, como ocorreu com a indenização do seguro obrigatório DPVAT.

“Veio a cartinha, mas eu não recebi o dinheiro. Me esposo entregou para ele, porque ele sempre falava para nós que tudo que chegasse lá, nós tinha que entregar pra ele. Não era pra nós não assinar nada, pra nós não ler nada”. O cheque do DPVAT, no valo de R$ 4.727,80, saiu no dia 25 de abril de 2001.

Em contrapartida, Dilá fazia pequenas retiradas em dinheiro com Bernal. “Não tinha para sobrevivência, a gente ia lá, pagava R$ 50 por mês, R$ 100, aí meu esposo falava para ele... ‘dr. eu tenho vergonha de tá aqui pedindo dinheiro pro senhor’ e aí ele falava assim ‘vocês não tem que ter vergonha de estar aqui, esse dinheiro não é meu, esse dinheiro é de vocês, você tem muito, muito mais dinheiro do que isso’, conta Dilá.

Bernal rompe com cliente

Dilá Dirce de Souza conta que procurou várias vezes por Bernal para prestação de contas e finalização do processo. Segundo ela, em vão. A busca pelo advogado se dava por meio de telefonemas e contatos diretos na Câmara Municipal, mas sem êxito. “Ele dizia que tinha reunião”, conta a ex-catadora.

Ela não sabia que o processo estavaarquivado no Tribunal de Justiça desde 2009, com a sua fortuna escondida dentro dele. Antes do arquivamento, o juiz mandou que ela fosse comunicada, fato que não ocorreu, nas inúmeras vezes que procurou Bernal, como conta.

“A última vez foi na Assembleia, ele marcou comigo, aí eu fui na Assembleia, lá quando ele já era deputado. Eu passei a explicar o que eu tava sentindo e ele não de meu atenção. Levantou e saindo falou pra mim ‘a senhora vai procurar a Santa Casa’. Eu me senti constrangida, muito sentida, eu chorei muito na época, né. E aí os anos foram passando e eu não recebi nada, só mesmo o salário do mês, até hoje nenhum centavo”, lamenta Dilá.

Bernal fala do caso

No último dia 9 de setembro, Bernal respondeu  a denúncia da revista Veja com uma entrevista coletiva, na qual tratou de várias denúncias contra ele. Com o processo em mãos, apesar de não ser mais advogado do caso, Bernal acusou Rubens Pereira de calúnia e informou que o dinheiro de Dona Dilá estava depositado na conta judicial.

“O dinheiro da dona Dilá está aqui. Tá depositado. O advogado que anda com ela fazendo calúnias contra mim foi meu assessor, trabalhou comigo na Câmara de Vereadores, depois trabalhou comigo na Assembleia Legislativa. E na época da campanha eleitoral ele pediu pra sair, enfim, tomou o seu rumo. E aqui está, portanto a prova, esse é o processo judicial, o dinheiro está à disposição de dona Dilá”, garantiu o prefeito.

Já Rubens Pereira argumenta que se não tivesse entrado no caso, o dinheiro não teria aparecido, ao menos por agora. “É uma situação muito séria, muito grave, a senhorinha dona Dilá garante, alega, e a gente vê essa sinceridade da parte dela, que nunca recebeu dinheiro nenhum, nunca, e as condições de vida dela são terríveis, muito pobre, com muita dificuldade, é que ela vive, então é muita séria a situação, resume o advogado de Dilá.

O caso também está em apuração no Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, em Campo Grande. A reportagem solicitou esclarecimentos à Vega Ambiental, que ainda não retornou à solicitação.

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