Publicado em 11/08/2018 às 09:26, Atualizado em 13/08/2018 às 18:27

Ansiedade: sem tempo para o agora

Como a inquietação e a agitação fora dos eixos impactam a saúde e o que pode ser feito para apaziguar as crises, de medicamentos a psicoterapia

Abril,
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(Tontygammy/Images/Getty Images)

Imagine que, em algumas horas, você fará a entrevista de emprego para a vaga dos seus sonhos. Enquanto se arruma na frente do espelho, o coração fica acelerado, o estômago se remexe todo, a pele se enche de suor e as pernas bambeiam. Ao mesmo tempo, a cabeça é inundada por um turbilhão de pensamentos e incertezas. “E se a moça do RH não gostar de mim? E se eu falar uma bobagem? E se a conversa for em inglês?” Estamos diante de um clássico episódio de ansiedade, sentimento natural e comum às mais variadas espécies de animais, entre elas os seres humanos. Veja: na dose certa, ela é proveitosa e garante até hoje a nossa sobrevivência.

“Quando nos preocupamos com algo que pode vir a acontecer, tomamos uma série de medidas para resolver previamente aquela situação”, diz o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Do mesmo modo que nossos antepassados estocavam comida para não sofrer com a fome nos períodos de estiagem e um macaco evita certos lugares da floresta por saber que lá ficam os predadores que adorariam devorá-lo, hoje elaboramos eventuais respostas às perguntas da entrevista de emprego ou estudamos com afinco antes de uma prova difícil. Ao contrário do medo, que é uma reação a ameaças concretas, a ansiedade está mais para um mecanismo de antecipação dos aborrecimentos futuros.

O transtorno começa quando essa emoção passa do ponto. Em vez de mover para frente, o nervosismo exagerado deixa o indivíduo travado, impede que ele faça suas tarefas e atrapalha os seus compromissos. “Isso lesa a autonomia e prejudica a realização de atividades simples e corriqueiras”, caracteriza o médico Antônio Geraldo da Silva, diretor da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Aí, sair de casa torna-se um martírio. Entregar o trabalho no prazo é praticamente missão impossível. Convites para festas e encontros viram alvo de desculpas. A concentração some, os lápis são mordidos, as unhas, roídas… e a qualidade de vida cai ladeira abaixo.

Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento com estatísticas dos distúrbios psiquiátricos ao redor do globo. Os transtornos de ansiedade atingem um total de 264 milhões de indivíduos – desses, 18 milhões são brasileiros. Nosso país, aliás, é campeão nos números dessa desordem, com 9,3% da população afetada. A porcentagem fica bem à frente de outras nações: nas Américas, quem chega mais perto da gente é o Paraguai, com uma taxa de 7,6%. Na Europa, a dianteira fica com Noruega (7,4%) e Holanda (6,4%).

Afinal, o que explicaria dados tão inflados em terras brasileiras? “Fatores como índice elevado de desemprego, economia em baixa e falta de segurança pública representam uma ameaça constante”, responde o psiquiatra Pedro Eugênio Ferreira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Preocupações com a saúde, notícias políticas e relações sociais também parecem influenciar por aqui.

Apesar de os achados da OMS assustarem, é um erro considerar que estamos na era mais ansiosa da história – muitos estudos sugerem justamente o contrário. Em primeiro lugar, a ansiedade só passou a ser encarada com mais coerência a partir dos escritos de Sigmund Freud (1856-1939) e foi aceita nos manuais médicos como um problema de saúde digno de nota a partir da década de 1980. Portanto, é impossível comparar presente e passado sem uma base de dados confiável.

Além disso, com raras exceções, vivemos um dos momentos mais tranquilos de toda humanidade. Há quantas décadas não temos batalhas ou epidemias de grandes proporções? O que acontece hoje é uma mudança nos gatilhos: se atualmente nos preocupamos com a iminência de um assalto ou de uma demissão, nossos pais se afligiam pela proximidade de uma guerra nuclear entre Estados Unidos e União Soviética e nossos avós perdiam noites de sono com o avanço nazista sobre França e Polônia durante a Segunda Guerra Mundial.

Existem, porém, alguns fatores que são patrocinadores em potencial de ansiedade independentemente do intervalo histórico. A infância, por exemplo, é fundamental. “Crianças que passaram por abuso ou negligência têm um risco duas a três vezes maior de sofrer com transtornos mentais na adolescência ou na fase adulta”, descreve o psiquiatra Giovanni Abrahão Salum, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A genética e a própria convivência próxima a um familiar com os nervos à flor da pele já elevam a probabilidade de desenvolver a condição posteriormente.

Como saber se eu tenho ansiedade?

A despeito de existirem tantos ansiosos por aí, ainda penamos com a demora no diagnóstico. De acordo com um estudo da americana Universidade Harvard, sujeitos com os quadros graves e agudos levam em média sete anos para buscar o auxílio de um profissional de saúde.

Nos casos em que os sintomas são mais leves e perenes, essa delonga se arrasta por 16 anos. Esse desperdício de tempo valioso faz o quadro evoluir para enfermidades ainda mais sérias, como o alcoolismo e a depressão. Para ter ideia, estima-se que, de cada cinco pacientes depressivos, quatro deles tiveram ansiedade lá no início.

“Infelizmente, persiste um preconceito com os transtornos mentais na nossa sociedade. Para muitos, o psiquiatra segue como o ‘médico de loucos'”, lamenta Nardi. Já passou da hora de virar a chavinha, né?

As doenças que abalam a mente devem ser abordadas com o mesmo respeito e seriedade de diabetes, câncer ou qualquer outra moléstia do corpo. Se você sentir alterações de humor ou se estiver de alguma maneira incomodado com pensamentos que não saem da sua cabeça, procure um profissional. A avaliação com base em um questionário respondido no consultório já ajuda a flagrar a ansiedade e nortear a abordagem terapêutica.

Como a ansiedade surge e de que forma afeta o organismo

1. A todo momento, nosso cérebro analisa o ambiente e identifica possíveis ameaças. Áreas como o hipocampo e a amígdala são responsáveis por fazer essa varredura.

2. Diante de um provável risco, o sistema nervoso dispara uma série de reações. As glândulas suprarrenais, que ficam acima dos rins, liberam doses extras dos hormônios adrenalina e cortisol.

3. Essa dupla de substâncias dilata os vasos sanguíneos, faz o coração bater mais rápido e prepara os músculos para a ação. É daí que vêm taquicardia, suor, tremedeira, falta de ar…

4. Adrenalina e cortisol alcançam o cérebro, onde estimulam a produção de neurotransmissores que deixam certas regiões da massa cinzenta em estado de alerta.

5. No transtorno de ansiedade, uma ou mais etapas desse processo funcionam de modo exagerado. Qualquer estímulo é considerado um perigo e gera respostas de forma desnecessária.

Os seis principais tipos de ansiedade

Fobia social: Medo exacerbado e irracional de participar de festas, aulas, reuniões e eventos com pessoas desconhecidas. O grande receio é ser avaliado, julgado, ridicularizado ou criticado por esses estranhos. Falar em público é motivo para travar, suar em bicas, ter taquicardia e até sentir a memória falhar.

Fobia: Temor crônico e paralisante de objetos, animais ou situações específicas, como medo de buracos, de aranhas ou de lugares altos. Esse sentimento pode surgir a partir de uma experiência real ou se principiar por meio de um pensamento particular e até uma notícia marcante. Já foram descritas mais de 500 versões.

Ataque de pânico: Sem nenhuma razão, o indivíduo sente que vai morrer: o coração dispara, o corpo estremece, surgem náuseas e vômitos. Muitas vezes, ele corre para o pronto-socorro por acreditar que está sofrendo um infarto e sai do hospital sem diagnóstico. Depois de alguns minutos aflitivos, tudo volta ao normal.

TAG: Sigla para transtorno de ansiedade generalizada. Há uma sensação incômoda e persistente de que algo vai dar errado a qualquer minuto e a vida vai fugir de sua direção quando menos se espera. Nesse ciclo de preocupações sucessivas, os problemas são muito valorizados, enquanto a própria capacidade de resolvê-los é subestimada.

TOC: O transtorno obsessivo-compulsivo é marcado por pensamentos invasivos que somente são aliviados quando se repete um comportamento padronizado sem sentido lógico. É o exemplo do sujeito que precisa acender e apagar o interruptor três vezes senão um parente vai morrer ou aquele que lava as mãos várias vezes seguidas.

Estresse pós-traumático: Muito corriqueiro em soldados que retornam da guerra e em vítimas de atentados ou desastres naturais, o transtorno de estresse pós-traumático faz com que a experiência ruim não saia da mente e volte a atormentar por meio de flashbacks. Junto com as lembranças, manifestam-se insônia, irritabilidade e pânico.

Como é feito o tratamento

A primeira coisa que você deve saber é que as opções disponíveis são seguras e ajudam a melhorar e controlar a situação. Existem dois grandes pilares nessa área: a psicoterapia e os medicamentos. “Nós avaliamos cada caso e lançamos mão de um método ou outro, ou até mesmo eles em conjunto, a depender do tipo de ansiedade e do seu grau”, explica a psicóloga Michelle Levitan, do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

O ataque de pânico grave, por exemplo, exige a prescrição de alguns fármacos logo de cara. Já uma TAG moderada responde bem a sessões de terapia. Quem vai bater o martelo sobre o caminho ideal é o médico.

Entre as abordagens psicológicas, aquela que mais se destaca em eficácia pelo número de evidências científicas é a terapia cognitivo-comportamental. “Nosso objetivo é identificar a crença que está atrapalhando o indivíduo e, a partir daí, transformá-la em um pensamento novo, que mude suas atitudes e a forma como ele enxerga a vida”, descreve o terapeuta Juan Carlos Picasso, diretor da Rituaali, clínica e spa no Rio de Janeiro.

É um processo de dentro para fora: por meio da conversa, o profissional de saúde faz o paciente refletir sobre alguns de seus temores para, assim, conseguir modificá-los com o passar do tempo.

Entre os medicamentos, os mais prescritos são os inibidores seletivos de recaptação de serotonina/noradrenalina. Receitados também contra a depressão, esses comprimidos reequilibram a química cerebral e afastam o risco de crises ou recaídas. Seu ponto fraco é a demora para aparecerem os resultados. Isso pode levar semanas, até meses.

É aí que entra outro grupo medicamentoso: os benzodiazepínicos, calmantes por natureza que já mostram serviço após um ou dois dias. Mas eles são utilizados com bastante critério e somente em algumas situações, pois estão relacionados a efeitos colaterais e dependência se tomados em longo prazo. Não custa reforçar: é vital obedecer direitinho as recomendações de tempo e dosagem definidas pelo especialista.

Por fim, há medicações de apoio que atuam sobre sintomas específicos. Os betabloqueadores diminuem os episódios de taquicardia. Fármacos para a tireoide corrigem desvios do metabolismo – se essa glândula está bagunçada, pintam cansaço, prostração e até queixas de ansiedade. Mulheres que entram na menopausa precisam fazer um checkup dos hormônios para ver se eles não estão impactando o bem-estar…

Reforma do estilo de vida

De nada adianta sentar no divã ou tomar comprimidos se alguns hábitos e pensamentos não forem modificados. Aposte numa alimentação equilibrada e variada. Invista em noites de sono tranquilas e reparadoras. E, principalmente, comece já uma rotina de exercícios.

“Além de elevar o ânimo, a atividade física atua na capacidade cerebral, aprimorando a comunicação entre os neurônios”, justifica Nardi. Meditação, relaxamento e atenção plena – o popular mindfulness – também são uma mão na roda: pesquisas demonstram o seu papel de peso contra a ansiedade.

No final das contas, às vezes vale se perguntar sobre a necessidade de entrar num tratamento. Ora, se eu tenho medo de bichos e moro em São Paulo, qual o real dano que essa fobia me traz? “O segredo está em fazer um bom exame da pessoa, de seu contexto e do prejuízo envolvido”, afirma o psiquiatra José Alexandre Crippa, da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.

Desse modo, dá pra evitar que sentimentos absolutamente normais sejam encarados como doenças e tratados com remédios. Contudo, a medicalização da vida, tema que suscita debates na Europa e na América do Norte, está longe de ser realidade no Brasil, onde se estima que só 30% dos pacientes com transtornos mentais recebam uma terapia adequada.

Em uma palestra inspiradora para o TEDx, conjunto de seminários que ocorre em várias cidades do mundo, a psiquiatra Olivia Remes, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, expôs sua experiência na área da ansiedade. Segundo seu relato, mulheres que moram em áreas pobres apresentam maior risco de desenvolver o transtorno do que aquelas que vivem nos bairros ricos. Até aí, nenhuma novidade. Mas em seu trabalho de observação, a cientista descobriu que existem três atitudes certeiras para lidar melhor com a agonia excessiva.

A primeira delas envolve colocar a mão na massa. “Você se pega adiando o início de algo simplesmente por não sentir que está preparado o suficiente para aquela tarefa? Você tende a gastar muito tempo decidindo o que fazer e, na prática, não acontece nada?”, pergunta Olivia, no vídeo de sua palestra, disponível no YouTube. Para quebrar esse ciclo, a recomendação é criar coragem e fazer aquilo que você precisa, mesmo que da primeira vez o resultado não seja lá um primor. O aprendizado com os erros e com os acertos nas diversas tentativas é que faz a gente ser bom em algo. “Essa estratégia apressa nossa tomada de decisões e nos empurra para a ação, o que nos coloca de volta no controle de nossas vidas”, declara.

O segundo passo é se perdoar por qualquer erro que tenha cometido no passado. Pessoas ansiosas ficam remoendo suas próprias gafes e mancadas, de modo que não conseguem focar em outras coisas realmente relevantes que estão à sua frente.

Não coloque tanta ênfase nos seus defeitos e incapacidades. No lugar disso, pense naquilo em que você é craque – e, assim, reverta esse seu ponto forte em algo de bom para a comunidade. “Você faz pelo menos uma coisa pensando no próximo? Pode ser um trabalho voluntário, ou compartilhar um conhecimento adquirido. Dividir com os outros vai melhorar pra valer a sua saúde mental”, finaliza a psiquiatra britânica.

Outro passo fundamental é nunca fugir daquilo que o aflige. “A ansiedade faz com que vejamos um mundo extremamente ameaçador e isso leva a uma inibição comportamental”, destaca a psicobióloga Milena de Barros Viana, da Universidade Federal de São Paulo.

Se medos e temores são evitados, alimentamos esse fantasma até o ponto em que ele se torna um obstáculo intransponível, que impede a promoção no trabalho ou o primeiro encontro com o amor das nossas vidas. “Para sair desse estado de hesitação, enfrente esses incômodos”, orienta Milena.

O copo meio cheio

Domar a ansiedade pode até aumentar nossa produtividade no serviço ou garantir uma rotina mais organizada – que tal adotar uma agenda para anotar todos os compromissos, projetos, aflições e questões existenciais? Lembra que no começo da reportagem dissemos que essa sensação é natural e nos livra de enrascadas?

“Ao prever as possibilidades, podemos usar e abusar de nosso lado criativo na busca por soluções inovadoras e eficazes para os problemas que se apresentam”, sugere a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, autora do livro Mentes Ansiosas (Editora Principium/Globo). Quem sabe a próxima ideia que vai revolucionar o mundo não saia de uma inquietação de sua cabeça?